Será que estamos vivendo o tempo do economês do falar?
Tô notando que conversar anda cada vez mais em falta entre as pessoas das cidades média e grande, oxalá pequenos vilarejos também. Cansado, acossado pelas contas a pagar, mal-humorado por mil e um motivo, hoje fala a língua travada dos monossílabos. Com os parentes, com os vizinhos, com os amigos – também cada vez mais raros –, nós nos limitamos ao sim, ao não, ao é, ao fui, ao sei, quando não recorremos aos grunhidos: ahn, hem, ohm, uhm.
Se nada mudar, logo as 150 ou 200 palavras que usamos para expressar nossas emoções e nossos sentimentos, nossas frustrações e nossas alegrias, nosso carinho e nosso rancor, nossos sonhos e nossas desilusões, nosso afetos e nosso desamor estarão reduzidas a 40 ou, quem sabe, 50.
Ninguém precisa falar conosco, para nos definir. Basta olhar para nós. Somos o que o nosso rosto não esconde e nosso olhar inamistoso revela: magoados, sofridos, desencantados. Sorrir para quem, se aquele para quem sorrimos pode nos cercar na próxima esquina e nos apontar um revólver para roubar os minguados reais de nossa carteira? Falar com quem, se ninguém quer falar com ninguém? Somos robôs programados para o essencial e já faz muito tempo que o essencial não inclui a convivência.
Se bater um papo é difícil, manter um diálogo é uma impossibilidade. Já reparou nas caras feias que logo se armam quando numa reunião alguém comete o pecado mortal de tentar pôr em circulação um assunto que não seja o futebol, a vida íntima dos astros do cinema e da TV ou a nova maravilha em dietas ou regimes?
Ninguém lhe dirá nada, porque falar cansa. Mas você lerá em todos os rostos algo mais ou menos assim: – Ah, qual é a desse cara? Se a dona da casa não enfiar logo um sanduíche na boca desse cretino, já ele vai vir com aquela caretice de literatura engajada e imortalidade da alma.
Sem ter com quem conversar, às vezes um dos nossos se põe a falar sozinho por aí. Você já viu alguns deles pela cidade – Alguns, mais modestos, andam pelos bairros da periferia. E falam, falam, falam sem parar. Falam para os carros, para os passarinhos, para as árvores, para os postes. Não falam conosco. Já tentaram, em outro tempo, e enlouqueceram de tanto tentar.
Ontem, vi um desses desvairados. Entrei numa dessas agências bancárias em que não há funcionários, só máquinas, e o vi conversando com uma delas.
A máquina pedia: – Digite sua senha.
Ele digitava e dizia: – OK.
A máquina sugeria: – Digite o valor dos cheques depositados.
Ele digitava e agradecia: – Obrigado.
Aí ele errava, e a máquina repetia: – Digite o valor dos cheques depositados.
Ele digitava de novo e se eximia: – Desculpe, hoje eu estou atrapalhado.
A conversa continuou, enquanto eu, na minha máquina, muda, sacava um dinheirinho. Enfiei as notas no bolso, saí e fiquei um minuto ou dois lendo as manchetes numa banca. Quando me dispus a retomar meu caminho, quem foi que se aproximou de mim? O homem, aquele. Olhou-me com simpatia e me perguntou: – Tudo bem?
Entrei em pânico. Ele, então, levantou a mão e me cumprimentou: – Até logo e boa sorte.
Enquanto eu, estupefato, não sabia se respondia ou não, ele atravessou a rua e se foi. Era um louco, só podia ser. Falava e, além de falar, sorria.
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