O Cadete

 

 

            Completar os dezoito foi uma data limite para mim. O que importava não era apenas portar com orgulho a cédula, isto pode ser feito mais cedo, mas a pretensa independência que a conquista angariava. Tornar-me-ia por direito um homem, dono do próprio destino.

            A aproximação daquele divisor de águas foi também seguido por certa angústia. Como convém aos machos, entrei, desde a adolescência, em uma espécie de guerra de nervos com meu pai. Ele possuía a ilusão de que o meu ingresso no Exército solucionaria problemas de criação e corrigiria certas “manhas” que, no seu modo de ver, me transformaria em um homem completo.

            Como qualquer pessoa eu tinha predileções. Algumas irritantes e fruto de uma educação por demais protetora por parte da minha mãe, segundo o que ele pensava. Separar a gordura da carne e não gostar de um sem número de vegetais, dentre eles jiló e quiabo, estava entre elas. Também era avesso à ingestão de sopas, o que me lembrava hospitais e doentes.

            - Quando entrar para o exército ele conserta, dizia meu pai ao ver-me recusar caldos quentes ou exercer minhas manias à mesa.

            Como um bom adolescente não gostava de carregar pacotes, evitava sair na companhia dos pais (o que hoje se chama pagar mico) ou coisas do gênero. Como era um excelente estudante, ele não implicava muito, mas por várias vezes, quando a situação familiar apertava, queria que eu o ajudasse no seu negócio – o que eu fazia com pouco gosto. Tinha meus sonhos e queria viver a minha vida.

            A data do alistamento aproximava-se e ele se enchia de glória:

            - Você vai virar homem!

            Eu recebi aquilo como um desafio, mas não cheguei a perder noites de sono:

            - Seja o que Deus quiser, era o meu lema.

            Ficava indignado quando amigos relatavam que conheciam militares e haviam conseguido dispensa. Meu orgulho impedia-me de pedir auxílio. Se meu pai pelo menos tivesse servido o exército e assim se tornado um “homem de verdade”, entenderia melhor. A quimera parecia pessoal.

            Alistei-me e fui convocado a me apresentar em determinado dia e hora. Meu pai exultava. Afirmo que não tenho nada contra servir à força militar, mas não era um caminho que me agradasse. Tendo veia e alma literárias, via aquela experiência como um ano de atraso nos meus estudos. Minha agonia cresceu quando fui selecionado como fisicamente “apto” e convocado para fazer uma prova escrita para NPOR – uma situação razoavelmente boa que nos possibilitava terminar o “estágio” e graduar-se como Segundo Tenente – foi o que me informaram.

            No dia da tal prova meu pai sorria de orelha a orelha:

            - E aí soldado? – perguntava.

            Fiz a prova e fui selecionado junto a outros cem dentre milhares. Convocaram-me para provas físicas e entrevista dentro de uma semana.

            - Já está dentro! – dizia meu pai a quatro ventos – Esse não escapa!

            Comecei a encomendar a farda verde-oliva. Acreditava que pelo menos as mulheres gostariam do uniforme. Alcancei boa nota e fui bem nas provas físicas. Esforcei-me, visto que era melhor ser um NPOR que um soldado. Fiquei entre os cinqüenta que deveriam ser entrevistados para preencher trinta e cinco vagas. Um oficial entrevistou-me e perguntou se era voluntário.

            - Não.

            - E por quê? Não gosta do exército?

            - Vou prestar vestibular e creio que me retardará os estudos; embora seja uma experiência válida. No entanto, se for convocado servirei com prazer.

            Carimbou “dispensado” na minha ficha. Meu pai não conseguiu entender e ainda espera por algo que complete a minha “educação”.