MEUS PAIÓS
PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO
Nas casas em que morei havia sempre um paiol.
Na casa de minha infância o paiol era enorme ! Tinha até ganchos para adaptar redes e no vigamento, alto, podia-se instalar um balanço.
De resto eram as quinquilharias que se iam avolumando. Cadeiras velhas,chaleiras e bules (de estimação rsrs...) revistas e até algumas fotos antigas.
Dividindo espaços com os picumãs, feixes de remédios caseiros e ervas para defumações,pendurados em pregos espalhados pelas paredes de madeira.
Depois vieram outros paióis - um pouco menos espaçosos - mas com os mesmos recheios.
O último, demolido a pouco tempo, cedia espaço para uma pequena marcenaria onde eu passava a maior parte do meu tempo criando peças artesanais em madeira que eram comercializadas em algumas lojas da minha cidade.
Era ali, no paiol, onde em meio ao pó de lixadeira, vez e outra eu sentava-me à mesa e rabiscava meus escritos.
Haviam duas janelas.Daquela que ficava proxima à mesa, eu divisava boa parte de meu bairro, a pasmaceira das casas pela vizinhança, fumaça pelas chaminés e, entre um ronco e outro dos veículos pela rodovia, a cantiga dolente dos galos no quintal de dona Vandinha, do outro lado da ponte.
À tardinha , um rastro de sol fatiava o ambiente e aquela sensação de dia terminando, muitas vezes me inspirava a escrever.
A outra janela abria-se para o quintal e em dias chuvosos eu desligava minhas máquinas para dar-me ao luxo de ouvir a melodia dos pingos caindo pelo chão.
Brotavam vigorosos pés de copos de leite ao redor das paredes e em tempos de agosto,um cheiro nostálgico das laranjeiras em flor invadia os compartimentos dividindo espaço com a inhaca das velharias ali armazenadas.
Havia um rádio sempre ligado e naquele mundinho, entre madeiras, tintas e serragem,eu viajava na maionese.
Confesso que sentimos (no plural pois Frank " I ", meu cachorro amigo e fiel companheiro ,também expressou um olhar de tristeza) um aperto no peito quando tudo foi ao chão.
Era uma parte de minha história arquivando-se para sempre.
Agora,retornando do supermercado, recriei o cenário do meu último paiol.Em seu lugar, uns arbustos floridos albergando pássaros nesta tarde friorenta de começo de junho.
Já em casa, com um amontoado de afazeres, decidi chutar o balde!
Não vou fazer nada ! Quero mais é vagabundear nesta tarde sonolenta de sábado.
Um café bem quentinho, pão fresco e doce de abóbora, me reconfortam da saudade do paiol de paredes escuras, cadernos, canetas, rabiscos e peças em madeira, espalhados pelas prateleiras.
Roberto - via you tube - interage comigo neste instante.
Frank "II", meu novo cachorro amigo que nunca conheceu um paiol, corre de um portão a outro e nem se dá conta de minhas comilanças e divagações.
Há um tufo exagerado de fumaça vazante da chaminé da casa de dona Asta, nossa vizinha.(Recados de café da tarde, presumo)
Entre um gole e outro, embarco na ternura de Roberto, cantarolando junto:
"Você que vem de dentro da saudade que eu sentia//Da noite mal dormida//Da minha fantasia..."
Ah!... Nostálgica (e fria) tarde de sábado.
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IRATIENSE THUTO TEIXEIRA