DIANTE DO TRIBUNAL
Havia acabado de fazer a oração da noite e me aconcheguei sob meu grosso cobertor, para fugir do frio e adormecer tranquilo.
Pensamentos estranhos de repente invadiram minha mente. Via crianças e famílias inteiras, sob um viaduto, deitados sobre papelões e enrolados em folhas de jornal. Seus lábios estavam roxos e batiam dentes por causa do frio que sentiam.
Virei-me na cama, tentando apagar aquela imagem, mas outras se sucederam, sob marquises e pontos de ônibus, em barracos e tendas de zinco, pano e telhas de amianto, mostrando a miséria e sofrimento de nossos irmãos.
Dei-me conta, então, que nós, da cidade, estávamos cercados de favelas e moradores de rua, que já eram milhões de carentes, sem falar nos que em casas modestas sofriam as penúrias do desemprego. Cerca de setenta por cento dos moradores de cidades passam por todo tipo de problemas, tais como desemprego, baixos salários, doenças, falta de habitação e até fome e miséria.
Em minha agonia, achei-me culpado pelo conforto e segurança que desfrutava, enquanto tantos não tinham o mínimo necessário para sobreviver. Mas o que fazer diante deste mal social? Afinal, criamos uma sociedade, pagamos altos impostos para a sua manutenção, nossos representantes são pagos com altos salários, justamente para que houvesse uma distribuição justa de renda, através, principalmente, de saúde, educação e habitação.
E todo esse mal acontece em nossos municípios, enquanto os vereadores do povo e prefeitos fazem obras suntuosas, sem lembrar que o principal é atender os cidadãos em suas necessidades básicas.
Minha responsabilidade, nossa responsabilidade, enquanto cidadãos, é socorrer aos que nos são mais próximos, cooperar com ações sociais e, sobretudo, votar bem e cobrar melhor ainda, de nossos gestores e políticos para que verdadeiras políticas sociais sejam implementadas, deixando o desperdício e a corrupção de fora da vida pública.
Após conseguir dormir, sonhei que estava diante do Tribunal de Deus, no julgamento e que os jurados eram os pobres e necessitados deste mundo. Suei frio e chorei de arrependimento, por tudo o que poderia ter feito e não fiz.