O RÉQUIEM DOS CELULARES
A cena não podia ser pior. Corpos inertes, na sua maioria de jovens, deitados no chão. Centenas deles. A expressão no rosto revelava seus instantes finais de dor, de medo, de desespero. Desespero por não saber como fugir daquele inferno sem fim, sem trégua, sem perdão. A visão trágica era sacudida pelos sons dos seus celulares, repicando sem parar numa sinfonia louca e descompassada. Certamente eram seus pais, irmãos, amigos, seja lá quem fossem, ávidos por qualquer notícia, só querendo ouvir um tiquinho da sua voz. E como tocavam esses malditos celulares. As solidárias equipes de socorro tinham que deduplicar seus esforços de concentração diante daqueles estridentes gritos mecânicos, verdadeiros pedidos de socorro sufocados pela fumaça e calor. Berros de socorro vindos dos confins de suas almas, numa vã tentativa de catar um pouco de oxigênio, um punhado de ar que desse. Em vão. Os celulares cada vez mais insistiam neste uníssono berro para tentar conter aquele massacre brutal, resultado do descaso, da falta de cuidado, da total ausência de respeito pela vida alheia, que agora jazia lá, inerte e calada, estatelada naquele chão. Eles faziam suas cordas vocais gemer com a voracidade de quem teria toda a vida ainda a percorrer, a conquistar, a usufruir. Mas que a tivera arrancada dos seus caminhos sem pedir licença, nem desculpa, nem perdão. Que os estridentes gritos destes celulares nunca mais parem de ecoar nos ouvidos daqueles que tornaram este enredo possível, naquele domingo de tristezas sem par.
Este texto foi escrito tristemente inspirado pelo episódio da Boate Kiss.