Mamãe e a promoção de pastel
Mamãe sempre foi muito curiosa e de iniciativa. Deixou os estudos no segundo ano de formação para professora primária, grande emprego na década de 40. Como soía acontecer naqueles idos, casou-se e teve filhos muito cedo, um atrás do outro. Mas a centelha dessas características não se apagou nunca e reaparecia sempre.
Em 1996, convidei-a para me visitar em Brasília. Ela topou e, apesar de nunca ter viajado de avião, não esquentou a cabeça. Mais: convidou a prima em primeiro grau, companheira de juventude, a Terezinha Tavares. Terezinha era esposa do saudoso José Emídio de Castro, professor, contabilista e treinador de futebol e futsal, querido por toda a juventude esportiva de Pitangui. E hoje pelos coroas safra século XX.
Busquei-as no aeroporto e fomos pra meu apartamento na Asa Norte. Pelo caminho, fui mostrando a cidade, apontando aqui e ali, explicando o planejamento, respondendo às perguntas das curiosas visitantes. Eu queria mostrar tudo de uma vez para as duas interioranas, encantadas com a nova capital. Passeamos e conversamos muito no caminho de casa. À noite, já no quarto preparado para elas, começava uma conversa entremeada de risadas, como duas mocinhas trocando segredos. Era uma situação muito diferente, estavam longe do dia-a-dia de Pitangui e das obrigações de donas de casa. Minha família se encantava com a amizade das duas. Eu, com o espetáculo sonoro daquelas recordações da juventude.
Levei-as a todo lado e acertei com a tia Lourdes, irmã de minha mãe, uma visita delas a Anápolis. Isso, eu sabia, não poderia faltar, já estava combinado desde a saída de Pitangui. Eu não iria, mas levei-as à Rodoferroviária, estação de trem que virou rodoviária. Entramos no amplo salão de embarque, já de passagem comprada, mamãe de braços dados comigo e com a Terezinha, Estava com sobrepeso e precisava desse apoio. Ela, curiosa, observava e comentava tudo. De repente, comentou, olhando para um anúncio: promoção de pastel, enquanto tropeçava e caía de joelhos amparada pela prima e pelo filho. Se não fosse por nós, mamãe teria aterrissado em plena capital federal, dessa vez sem aeroporto, avião ou paraquedas.
Seu erro foi levantar os olhos para o anúncio de promoção de pastel justamente no lugar onde havia um pequeno ressalto do piso. Para ela, porém, foi o bastante para cair de joelhos e nos arrastar com ela. E como sempre fazia, não conseguia parar de rir.
Ficaram cerca de uma semana. Levei-as ao aeroporto para a volta a Belo Horizonte. Alguns dias depois, recebo um presente do Detran: multa por excesso de velocidade. Foi justamente no dia da chegada e eu, afoito, queria mostrar todas as novidades de uma vez. A foto pegou a traseira do carro, onde duas cabecinhas brancas no banco traseiro não deixavam dúvidas sobre o motorista responsável.