Só na memória
O pé manga já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás de casa. Dias atrás passando por lá já não mais a vi.
Eu me lembro do outro pé manga que era menor e morreu há muito mais tempo. Eu me lembro dos pés de pinha, do cajá-manga, da grande touceira de espadas-de-são-jorge (que nós chamávamos simplesmente “tala”) e da alta saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude. Lembro-me da tamareira e de tantos arbustos e folhagens coloridas, lembro-me da parreira que cobria o caramanchão e dos canteiros de flores humildes, “beijos”, violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de fruta-pão ao lado de casa e o imenso pé manga lá no alto eram como árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo aprendia o jeito de seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor para apoiar o pé e subir pelo pé manga acima, ver de lá o telhado das casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa da tarde.
Quantos verão sua sombra era meu refugiu nos dias de calor; tempo de manga chupávamos seus frutos amarelos sem moderação. Hoje só ficou a lembrança, o canavial avançou até o morro que ficava a casa onde nasci, como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito querido mostrava o lugar ao gerente da usina.
Ele parecia sentir o que eu sentia, fez uma self dizendo ainda bem que senhor está com memória boa.