Calcanhar-de-wittgenstein — A vassoura no canto


Lá está, em seu canto — no versículo, sura ou aforismo 60 das Investigações filosóficas —, a ostensiva vassoura de Ludwig Wittgenstein, cabo e escova conciliados. Ele mesmo a quer assim, em nome do nome, ainda que não possa deixar de reconhecer que o seu gabinete de lucubrações está uma verdadeira zona e que não escapará à vigilância dos empregados da casa, tocando para o lixo toda aquela farra de rascunhos e pontas de cigarro pelo chão.

Pois que o façam, disse em voz alta o trêfego pensador austríaco, pegando com raiva um atiçador de lareira. Mas não com a minha vassoura, lógico. Embora esteja muito claro em sua mente que nenhum daqueles imbecis vai usar só o cabo ou só a escova, dissolvendo a entidade, é melhor que a deixem em paz, no seu canto, prenhe de inconfessado finalismo e engodo universal.

Um caso sério.

Como está sempre na rua na hora da faxina, talvez nunca lhe ocorra que ninguém varre uma casa sem pegar no cabo da vassoura. O detalhe, da maior simploriedade doméstica, não é ocioso. Nos termos do aforismo wittgensteiniano, se o cabo e a escova, elementos simples do complexo, estão conciliados na vassoura, como existir algo como o cabo da vassoura? Afinal, seria um segundo cabo, e a lógica não pode se dar o luxo de blefar no jogo da linguagem numa obra em que este é a todo momento reivindicado justamente para desautorizar a alegada pertinência dos problemas filosóficos fora de seu âmbito, relegando-os a esse terreno movediço da condição humana.

Semiotagem, pura semiotagem.

Caros lógicos, deixem as coisas do cotidiano em paz; deixem-nas com o homem comum e os cronistas; e torçam para que eles não lhes arranjem nenhuma função inortodoxa para esse segundo cabo da vassoura, com todo o respeito.


[16.12.2007]