MISTERIOSOS CHÃOS
A minha alma tem chãos que desconheço.
Já tentei decifrá-los, desnudá-los, desarmá-los,
flagrá-los, desmascará-los,
tudo em vão.
Estão envoltos numa couraça indevassável,
trancados a setenta chaves,
atracados num emaranhado maluco,
absolutamente protegidos por sei-lá-o-que.
Estes chãos existem antes de eu existir,
são o útero do útero que gerou,
são o gozo antes do gozo que me fez.
Um dia, quem sabe, possa desmembrá-los,
dissecar suas juntas, vasculhar seus porões,
revirar do avesso cada víscera.
Daí, quem sabe,
venha a entender a minha real partitura,
o meu mais nítido tempero,
a minha mais ecoada razão,
o meu mais alforriado voar.