Vavá da Luz e o Hotel Tambaú
Complementando a narrativa de Ramalho Leite sobre o famoso carnaval de 1972 no Hotel Tambaú, protagonizado por Juscelino Kubitschek versus comunidade da informação do regime militar, repasso a versão de Vavá da Luz, afamado blogueiro de Ingá, guardião das Itacoatiaras e ex subdelegado da comarca de Livramento. Naquele tempo, Vavá exercia o cargo de administrador da ala dos porteiros e arrumadeiras do Hotel Tambaú, com jurisdição sobre o departamento de garçons. Na qualidade de militar da reserva, Vavá ficou alerta sobre a presença do Exército disfarçado de turistas carnavalescos no Hotel. E foi a ele que um colega cabo falou dos ditos microfones secretos nos quartos dos hóspedes da comitiva de JK. Vavá encontrou um desses artefatos debaixo do abajur e aproveitou pra contar a anedota do sargento que desconfiava de sua esposa. A dita cuja mantinha um caso com um cabo, o que desmoralizava a um só tempo a honra do sargento e a hierarquia militar.
O boêmio Juscelino dançava e cantava, sob os olhos dos militares no seu ridículo papel de fiscal de gafieira, enquanto Vavá da Luz prestava-se à função de ajudante de ordem do ex-presidente e sua comitiva. O gerente do hotel escalou Vavá para procurar em João Pessoa o uísque preferido de JK, bebida não encontrada no desabastado comércio local. Viajaram para Recife na Veraneio do Hotel, e de lá trouxeram 12 garrafas do escocês, além de siri mole, arraia, cação, badejo, surubim e outros peixes para fazer as frigideiras de tira-gosto, dignas de tão nobres visitantes. Buchada, sarapatel, avoante, rolinha, culhão de boi e miolo, tudo fez parte do cardápio regional do Hotel, porque comer bem é quase uma religião na Paraíba. Vavá da Luz comandou os serviços e ainda abrilhantou as serestas de JK ao som do violão de ouro de Dilermando Reis. Nos intervalos, contava seus causos. Na verdade, Vavá e Raimundo Onofre disputavam palmo a palmo a medalha de maior chaleira de JK. Quando o mineiro fazia menção de espirrar, os dois esternutavam. Para os apedeutas, antes de prosseguir, é bom saber que o verbo esternutar significa espirrar.
Assim, JK esteve perto de sofrer uma apoplexia de tanto rir, pois era um sujeito gostador de escutar causos nas quebradas do Brasil e seus grandes sertões veredas. Depois da terceira garrafa do escocês no bar nobre, o ex-presidente nomeou Vavá da Luz como seu assistente nas lides das folgaças, ouvindo dos lábios trampolineiros do neto de dona Maria da Luz um belo soneto de sua autoria, onde ele fala de uma linda morena do sertão paraibano que se apaixonou por um caixeiro-viajante porque ele cheirava a perfume Lancaster.
Juscelino Kubitschek ficou fã de Vavá, porque o paraibano não é de brincadeirinha quando se trata de mentir com bom gosto e inventividade, feito esse tal de Vavá da Luz. JK lamentou ter construído Brasília no planalto central do Brasil e não no planalto da Borborema, tendo as praias de João Pessoa como porto seguro ao ser acuado pela mundiça militar golpista. Nessas farras do Hotel Tambaú, os militares não deram sossego. A toda hora mandavam os garçons pedir a Dilermando Reis para tocar o “cisne branco que em noite de lua vai deslizando num lago azul, o meu navio também flutua no belo bar do Hotel Tambaú”.
Enfim, terminou o carnaval, veio a quarta-feira ingrata sem ser registrado nenhum entrevero com a comunidade da informação militar instalada no Hotel Tambaú para vigiar o ex-presidente. Vavá da Luz encerrou seu papo de várias noites com uma confidência histórica: foi seu avô quem trouxe o xaxado para o Estado da Paraíba, aquela pisadinha pernambucana inventada por Lampião. O próprio rei do cangaço ensinou o xaxado ao velho coiteiro e deu autorização para ele xaxar na Paraíba. Consta que o próprio Juscelino pé de valsa ensaiou o xaxado com sua mulher, dona Sara. A senhora Kubitschek sofreu uma torção no pé na tentativa de dançar o xaxado, tendo depois fundado um hospital em Brasília especializado em reabilitação de pessoas com problemas locomotores.
Quanto a Vavá da Luz, o próprio JK enfiou no seu bolso uma gorjeta de 20 contos, num tempo em que um conto de réis era considerado gratificação de Príncipe pra cima. O malandro da Luz foi se esconder no banheiro, guardou quinze contos e dividiu cinco com o restante da equipe do hotel. Com esses quinze contos, comprou um Aero Willys 62 em bom estado e voltou para o Ingá do Bacamarte, onde abriu um lupanar com o nome de “Bar e Restaurante JK”. Para os comunistas e esquerdistas medianos, ele dizia se tratar de Juscelino Kubitschek. Para a turma reacionária, John Kennedy.