A Britannica de 1963
Quando os jovens universitários tomaram as ruas de Paris no mítico e seminal Maio de 1968, já fazia 200 anos que a Encyclopaedia Britannica era publicada. Uau syl, que tempão, né? Pois então, porque estou escrevendo sobre isso, ora bolas? É que na sexta-feira passada fui na Biblioteca Pública Municipal Vera Gauss, em Charqueadas, e casualmente encontrei o livro acima lá: uma edição de 1963, em inglês, da Britannica. É o volume 1 de 22, só abarca a letra A dos verbetes (imagem abaixo). Está completando, coincidentemente, 60 anos. Mas bah, quanta coisa aconteceu de lá pra cá, não é mesmo? Com certeza mais mudanças do que de 1768 à 1968! Vejamos...
Em primeiro lugar, quem ainda vende e quem ainda compra uma enciclopédia editada em papel? Ninguém imaginaria que isso iria um dia acabar em 1963 e ninguém imagina hoje, nos tempos de Wikipedia, como as pessoas faziam isso! Imaginar... para alguns sociólogos, a "imaginação sociológica" (1) é fundamental para se ver isso e muito mais através de um mero objeto, como esse livro 1 da Britannica de 63. Em segundo lugar, curioso ver uma antiga edição dessas em inglês por aqui, eis que pouca gente possuía instrução - uso de propósito esse termo anacrônico - para ler uma enciclopédia em inglês nos anos 60 no Brasil, ainda mais na pequena Charqueadas pré Aços Finos Piratini. Como ela veio parar aqui, então? Hoje os jovens já são, em boa parte, bilíngues - presenteio minha filha com romances em inglês, disponíveis em qualquer livraria -, e todos podem ir no Google traduzir textos em inglês. Eis uma gigantesca mudança que ocorreu nesses 60 anos.
Essa edição 1963 foi dedicada ao presidente Kennedy e à rainha Elizabeth, que ainda eram vivos. Em seguida o americano seria assassinado com um tiro de fuzil na cabeça e a jovem monarca, então há apenas 11 anos no trono, viveria até setembro de 2022 para ser testemunha ocular privilegiada de todas as transformações ocorridas nessas seis décadas, o que significa que ela pode não visto tudo, mas quase tudo, e de camarote palaciano, inclusive a corrida espacial e a chegada do homem na lua, em 1969. O atual Rei Charles era um adolescente de 15 anos, a falecida Lady Di tinha 2 anos e pouco e os Beatles já estavam populares entre os jovens no mundo (Charles os curtia?), tanto que naquele ano tocaram para a realeza - quando John Lennon fez a famosa piada "Não precisam bater palmas, apenas sacudam as joias" - e dali dois anos Elizabeth os condecoraria com a Ordem do Império Britânico - e eles fumaram maconha antes da solenidade, para aliviar o nervosismo. Ah, a história, instigada pela imaginação sociológica aplicada a um livro que nem de História e de Sociologia é. Os Beatles ajudaram a construir e mudar a história nesse período, mas essa é uma conversa pra outro dia. Voltemos à Britannica de 1963 na Vera Gauss.
"The present Encyclopaedia Britannica is a modern informational instrumental in a changing and complex world" escreveram os editores no prefácio, sem ter ideia de até onde essas mudanças chegariam na contemporaneidade, deixando sua publicação obsoleta, como mídia da modernidade ultrapassada. Em 1963 uma mulher acima dos 30 era chamada de balzaquiana e já estava às portas da velhice, que chegava aos 40, restando cuidar dos netos, vovó. Nesse fim de semana fui na reinauguração de uma cervejaria aqui em minha cidade e constatei que as "avós" de 50 ainda são gatinhas, as mulheres de 40 jovens na flor da idade e as de 30 adolescentes! Outra baita mudança verificada nesses anos, a da quase eterna juventude feminina em comparação com os anos 1960 e antanho, fruto de outras mudanças no mundo do trabalho, que cada vez mais empoderaram economicamente as mulheres, permitindo à boa parte dessas usufruir dos avanços da medicina estética. Changes, changes and more changes, para seguirmos as letras da Encyclopaedia.
Enfim, lá estão eles, à direita de quem entra e à esquerda de quem sai, os volumes da Encyclopaedia Britannica de 1963, numa das estantes da biblioteca. Algumas de suas imagens são coloridas, o que era então puta "moderno" e fazia toda a diferença, mas bah. Esses dias vi no Facebook uma postagem com a "foto" criada por IA de Mona Lisa e Leonardo da Vinci, em sépia, coisa hoje bem mais avançada tecnologicamente do que as cores das fotos da Britannica. Dá pra imaginar uma coisa dessas? Sociologicamente, dá! Fiquemos por aqui. Está bom assim, né? Vocês já entenderamo recado.
(1) - "Imaginação sociológica" é um conceito do sociólogo estadunidense Charles Wright Mills, que morreu um ano antes da edição 1963 da Britannica. A inspiração para a crônica acima veio do livro Sociologia, do inglês Anthony Giddens, que usou o conceito de forma magistral e icônica - pelo menos para quem é da área - já na página 19, analisando o simples ato de tomar café sob as mais diferentes perspectivas. Tem na internet para quem ficou curioso, é só "googlar". Não precisa ir na biblioteca e nem saber inglês para isso, assim como eu só precisei de um celular - ultrapassado! - para fazer as imagens, em vez de contratar um fotógrafo e mandar revelar, em P&B, como seria necessário e possível fazer em 1963 a fim de publicar o texto com foto em um jornal impresso. Changes!
Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam, leiam e fiquem com Deus.