VINÍCIUS JR. II
A ESPANHA É AFRICANA
Nelson Marzullo Tangerini
Há muito tempo atrás, escrevi uma crônica falando sobre uma vizinha descendente de espanhóis, que chamou os portugueses de porcos, ignorantes, grosseiros e mais alguns adjetivos.
Gostaria de esbarrar com ela na rua e questioná-la:
O que a senhora pensa a respeito do que está acontecendo com Vinícius Jr na sua querida Espanha?
Sou um provocador nato, defeito incorrigível, que carrego comigo desde que me identifiquei com causas humanistas, porque é a partir daí que escreverei as minhas mal traçadas linhas sobre o que acontece no meu bairro e na minha cidade, que, há muito, não é mais maravilhosa.
Também não vou passar a mão na cabeça dos portugueses – meu bisavô, Manuel Gomes Soares, pai de minha avó materna, Antônia, era português. Descendo, portanto, de um povo colonizador, que venceu os perigos do mar para impor aos povos dominados a língua portuguesa e o cristianismo, não se importando com a língua, a religião e a cultura desses povos: no Brasil, em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, Goa, Macau e Timor Leste. Tudo isso, sem colocarmos nessa conta o sequestro e a escravização dos africanos.
Os gajos não foram santos, já se sabe, mas gostaria de questionar por que muitos espanhóis, por exemplo, são arrogantes e se julgam superiores aos portugueses.
Publiquei minha última crônica sobre Vinícius Jr. no Recanto das Letras e um leitor, Dartagnan Ferraz, reforçou o que sempre achei da elite espanhola, que o franquismo ainda está latente no DNA de alguns espanhóis, como o salazarismo está latente no DNA de alguns portugueses e o mussolinismo está latente no DNA de alguns italianos.
Gosto muito de Dalí, fique isto claro, mas lamento que o pintor surrealista tenha sido contaminado pelo fascismo – e não se importado com o fuzilamento do poeta – seu amigo – Federico Garcia Lorca. Da mesma forma, lamento que Pablo Picasso fosse um apreciador de touradas. Ninguém é perfeito sob o sol.
Enfim, fascistas existem em todos os ligares do mundo, como estamos vendo: no Brasil, em Portugal, na Hungria, na Itália e na Espanha.
Enquanto escrevo esta crônica, a repercussão sobre as agressões racistas a Vinícius Jr toma contornos inimagináveis, como a prisão dos racistas responsáveis por aqueles atos intoleráveis.
Uma pergunta nos intriga: devemos ser tolerantes com os intolerantes? Nem todo mundo nasceu com alma nobre de Mohandas Gandhi.
Vamos ver o que acontecerá com aqueles racistas idiotas de Espanha. Talvez não tenham o mesmo destino que os fascistas brasileiros, que, depois de um grande estardalhaço e xingamentos ao Senado, continuam impunes – e atacando quem defende a democracia.
Por fim, devemos nos lembrar que Portugal e Espanha têm sangue mouro, mais precisamente, de magrebes, povos do norte da África islamizada. Mas parece que os espanhóis não querer saber disto. Falta de leitura? Amnésia? Ou esquecimento seletivo?