Aprendiz de tragédia

 

A tragédia é uma de minhas paixões literárias. Tornam-se inspiradoras para escrever sobre a natureza humana e sua insondável essência. A tragédia vai além de um enredo fatalista de desfecho dramático e irremediável, mas nos faz avaliar como por conta de escolhas, caminhos e circunstâncias esculpem toda tragédia continuamente na humanidade.

Mas, a tragédia não paira somente sobre o inexorável, mas sobre a lógica e simbiose da alma humana e seus enredos em finais felizes e infelizes. O ser humano pode ser desfigurado quando dotado de poder tirânico e, mesmo no estado de defesa. Questionamos: existe mesmo liberdade? Ou tudo é maktub, ou seja, já estava escrito.

Como preservar a liberdade individual no mundo onde o convívio é violento. Lembremos que a liberdade é uma construção e uma conquista comum. Se permitirmos que seja sonegada a uma parte, todas as partes ao redor a perderão, mais cedo ou mais tarde.

Os tiranos são infiéis, sacrificam até mesmo os próprios seguidores para galgar seus degenerados desejos e ambições. Há um universo doloroso dos gregos até Shakespeare, seja no império romano, seja no império elisabetano. Seja na Antiguidade Clássica ou no Renascimento europeu.

É quando Prometeu, mais uma vez, desejando favorecer a humanidade, rouba o fogo do Olimpo, pregando uma peça nos poderosos deuses. Já, em outra versão, justifica-se essa peripécia de Prometeu como uma forma de obter para a raça humana um elemento que lhe garantiria a necessária supremacia sobre os demais seres vivos. Poder, poder e mais poder.

O fato é que Zeus decidiu punir Prometeu, decretando ao ferreiro Hefesto que o prendesse em correntes junto ao alto do monte Cáucaso, durante trinta mil anos, durante os quais ele seria diariamente bicado por uma águia, a qual lhe destruiria o fígado.

Como Prometeu era imortal, seu órgão se regenerava constantemente, e o ciclo destrutivo se reiniciava a cada dia. Isto durou até que o herói Hércules o libertou, substituindo-o no cativeiro pelo centauro Quíron, que lhe cedeu sua imortalidade.

Em outro momento, o mito de Prometeu também pode ganhar força com pessoas que estão alienadas a respeito de seu lugar no mundo. Não percebe que deseja o impossível, exatamente o lugar dos Deuses e, são capazes de qualquer coisa para atingi-lo, mesmo que para isso tenha que enganar e roubar o "fogo" espiritual.

Alguns membros de grupos ativistas atuais, por exemplo, consideram as pesquisas sobre célula tronco e clonagem uma analogia ao feito de Prometeu, buscando sua posição entre os deuses a todo custo.

Para justificar suas ações, Prometeu afirmava que suas realizações beneficiavam a todos: um bem maior que servia apenas para camuflar sua busca pela superioridade (espiritual e intelectual). Para um estudioso, "o fogo roubado simboliza o intelecto reduzido a não ser, senão, o meio de satisfação dos desejos multiplicados".

O mito de Prometeu ilustra a vontade humana da intelectualidade à semelhança dos deuses. Tal busca leva a angústia do quem sou e ao eterno sofrimento inerente ao sujeito que se renova (ou alcança seus objetivos), mas nunca, infelizmente, encontra a paz de aceitar a si mesmo (punição de Prometeu dada por Zeus).

A lógica da tragédia tem particular aprendizado na prática, pois que não permita a não repetição do erro e a mudança de comportamento. As tragédias são dotadas de dupla dimensão, uma ética e outra política, compartilhada entre cidadãos em nome da comunidade que escolhem atuar com sabedoria.

Os heróis trágicos por mais façam, sempre encontram seu destino cruel e nos ensinam os prejuízos da falta de ética ou da ignorância. Vem a revelar padrões típicos as ações e interações humanas quase sempre autodeterminados.

Indo para as obras do Bardo, em Macbeth, Hécate ensina o grande equívoco em buscar causas externas em situações nas quais os principais responsáveis estão presentes na cena. Não se precisa de maldições externas, porque ao desprezar o destino, vem desafiar a morte e nutrir esperança acima da sabedoria, piedade e do temor.

Enfim, a confiança é o maior inimigo dos mortais. Que tanto cega e nos leva ao complexo de Prometeu pela ilusão de ter o controle absoluto do fogo sobre toda a natureza. Sempre se tem a esperança da perda do controle para depois recuperá-lo de forma ampliada e com bom manejo do fogo.

Mais uma vez vale lembrar o diálogo entre o corifeu e o titã acorrentado

“Corifeu: — Foste mais longe ainda em tuas transgressões?

Prometeu: — Fui, sim, livrando os homens do medo da morte.

Corifeu: — Descobriste um remédio para esse mal?

Prometeu: — Pus esperanças vãs nos corações de todos.”

Diante da tragédia do autoritarismo torna-se cada vez mais visível em nosso país, onde muitos manejam mentiras, deslealdades e toda ambição que os tornam surdos aos alertas de que são suas próprias escolhas que vaticinam o destino trágico.

As tragédias do Bardo são peças com enredos sombrios e finais dramáticos. Narram verdades inconvenientes e criticam duramente a índole dos poderosos que acreditam ter direito à tudo e a todos.

A tragédia nos tornam os aprendizes atentos pois suas mestras rigorosas são a destruição e a dor. O que não se aprende por amor, inevitavelmente, aprenderemos pela dor.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/05/2023
Código do texto: T7798353
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