SELVA DE SOMBRAS E SONHOS
O condomínio é grande. Quer dizer, nem tanto. Só para mim, que sou acostumado ao mundo interiorano, de pequenas casas de taipa. Desse modo, sim, é grande. É como se fosse um bairro, com muita gente, com a diferença de que ninguém se conhece. Tantos vizinhos, mas, aparentemente, todos desconhecidos uns para/(d)os outros. Porta com porta, janela com janela, mas ninguém para olhar, conversar, trocar uma ideia, falar de futebol, de telenovela, dos noticiários. Todo mundo vivendo no seu mundo.
Passo boa parte do meu tempo – quando não estou estudando, ou lendo, ou assistindo (...) – olhando pela janela, principalmente para o estacionamento. Gosto de ver o tráfego de carros chegando e saindo, a performance dos motoristas ao estacionarem. Comparo a habilidade de uns com as de outros. Não, não julgo ninguém, sequer sei dirigir, como poderia julgar quem sabe?! Até poderia, nada me impede, mas não faço. Apenas olho, penso como faria no lugar de um e de outro. Penso nas manobras. Ganho, ou perco, tempo nessa jornada de observação. Espero que sirva para alguma coisa, mesmo que irrelevante. Afinal, o que não seria?!
Volto para a sala, ligo o notebook, tomo um café enquanto escrevo um sem-número de coisas. Fico em dúvida, com relação a palavras e frases inteiras. Leio em voz alta, em voz baixa, em todas as vozes, tonantes e soantes, na vã tentativa de conquistar o texto, te fazê-lo meu. O barulho do ventilador, não minto, atrapalha um pouco a concentração. Mas só um pouco, todo o resto corre por conta da falta de talento. Medo que sinto, pavor de nunca conseguir concluir aquilo a que me proponho, a obra que pretendo fazer. Enfim, pequenas angústias que me chegam no meio da tarde e que só vão embora quando a noite chega e traz o sossego que a ela cabe.
Na tevê toca uma música. Na música fala-se de coisas profundas, de rimas impressionantes, de jardins maviosos, de rosas, rosas e rosas, como se no mundo não houvesse outra flor. Tudo bem que as rosas são perfeitas e lindas e que Cecília já até cantou seus motivos, mas, e as outras flores? Algumas são até mais belas do que a rosa. Não me perguntem qual, eu absolutamente não sei. E na canção um homem toca um violão, e rima a crônica e completa uma inspiração que me faltava. Ah, uma música torna o dia mais completo, mesmo que completo de outros vazios.
E lá se vai mais um dia... um verso que me vem, tão belo, tão simples, tão real... tão cheio de tão... que não se encaixa em lugar nenhum, além de aqui, dentro de mim... outro que me vem, quando eu não mais esperava. Tudo isso porque, no meio da cidade, um homem sozinho, que sempre assim o fora, hoje está mais sozinho. Olhando do alto de um prédio nem tão alto, as coisas lá embaixo, o asfalto no estacionamento e as pessoas que chegam e que saem para suas vidas, suas rotinas de chumbo e breu. No calor da cidade grande, longe de tudo e de todos, mesmo que perto, também, de tudo e de todos. A cidade é uma selva de pedra, mas essa imagem não me serve completamente, de tão usada e abusada. A cidade é, na verdade, uma selva de sombras e sonhos.