Duas coisas que a maturidade me ensinou foram: me ouvir e apreciar a minha própria companhia. A segunda na verdade foi apenas um aperfeiçoamento já que sempre morei sozinho e nunca achei ruim. Todas as vezes que penso no meu passado chego a conclusão que nunca me ouvi. Não nos ouvimos quando somos jovens e isso é uma pena porque quando consegui fazer isso minha vida ficou muito melhor. Hoje eu consigo ser eu mesmo, sem precisar fingir que gosto de alguma coisa e só faço o que eu quero. Dizer não às vezes é muito libertador. 

          Adoro minha casa e principalmente gosto de estar nela. De uns tempos para cá estou mais caseiro. Não saio mais por sair. Leio, escrevo, falo sozinho, vejo filmes, series, ouço música ou apenas durmo. Não me interessa mais ir a lugares que já tenho a certeza que não vou gostar ou porque está na moda ou porque todos estão indo. Eu simplesmente digo não e fico em casa feliz da vida. Desde que eu comecei a ser mais seletivo sempre me divirto. O mais interessante é que sempre recebo críticas que estou velho, chato, exigente demais, mas a verdade é que nunca estive tão bem e feliz comigo mesmo. Irônico não? Descobri que me agradar é muito melhor que agradar os outros, mas confesso que minha popularidade não é a mais mesma. That's life!

          Não vou mais a lugares onde a música é tão alta que não consigo conversar com a pessoa que está ao meu lado, em restaurantes no máximo quatro pessoas à mesa porque a conversa tem apenas um tema, teatro vou quando consigo um lugar na frente e viagens preciso de um hotel simples, mas confortável. Cheguei também a conclusão que se eu tivesse me ouvido quando era jovem, muita coisa teria perdido e hoje talvez não pudesse contar tantas histórias que eu conto. Contraditório mas completamente lógico.

          Claro que existem exceções para tudo, senão não conseguiria viver em sociedade. Seria um eremita. Outro dia uma querida amiga fez 50 anos e comemorou em uma boate. Fui, abracei-a, me deixei ver por alguns amigos e até tentei conversar, mas o barulho era infernal. Não deu. Tomei dois drinks e voltei para casa. Essas exceções faço apenas para família, trabalho ou amigos muito queridos. 

          Uma curta história para terminar: adoro ir a uma boa livraria. Sou capaz de passar horas olhando livros, comprando alguns e no final tomo um cafézinho enquanto escrevo no meu computador e observo as pessoas. Mas esqueci que também poderia ser observado. Estou tentando uma transição para o veganismo e havia comprado um livro sobre o assunto. Ao folheá-lo no café da livraria, fiz um amigo que também estava, ou melhor, está passando pelo mesmo processo e descobrimos que temos muitas coisas em comum. Não nos frequentamos, falamos pouco no whatsap mas sempre nos encontramos na livraria e colocamos a conversa em dia. Tenho um amigo literário.

          Passamos a vida tentando mostrar que somos populares, que temos muitos amigos - será? - fazendo coisas que não queremos fazer e esquecemos que o melhor é ser e não ter. Nascemos sozinhos e morreremos sozinhos. Essa é a grande certeza da vida.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 19/05/2023
Reeditado em 19/05/2023
Código do texto: T7792521
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