DELTAN DELLAGNOL - "O DIREITO É COMO ASA DE XÍCARA,
CADA UM PEGA COM A MÃO QUE QUISER".
"O Direito é como asa de xícara, cada um pega com a mão que quiser".
Há ocasiões em que não gostaríamos que outros pegassem a nossa xícara com a mesma mão com que pegamos as xícaras dos outros.
Esse é um ditado que se usa por aí. O fato é que o magistrado quando julga tem um limite: a legislação vigente.
Ocorre que, mesmo em atenção à legislação, essa carece de ser interpretada e a exegese do texto varia no decorrer do tempo. A vída é dinâmica. A título de exemplo, a vontade do legislador do Código Civil de 1916, vigente enquanto estive nos bancos da Faculdade de Direito, foi superada pela evolução/involução social.
Basta ver que, enquanto o Legislador da década de 60 não se convencia da necessidade da Lei do Divórcio, inventou-se o concubinato, que protegia a mulher não casada em seus relacionamentos, mormente na questão patrimonial.
Uma enormidade de políticos foi cassada pelo AI-5, legal mas imoral. A lei em 1968 era aquela, ainda que proviesse de fontes não legitimadas. Legalidade não é sinônimo de justiça.
Dito isto, que o Direito é dinâmico e não depende somente do legislador, mas também do aplicador (magistrados), estamos vivendo hoje a perplexidade de vermos as Cortes Eleitorais cassando mandatos de deputados eleitos pelo voto popular.
Quando aprendi as lições de Direito Eleitoral, lembro-me bem que um dos princípios mais caros a este seguimento jurídico era o "princípio do aproveitamento do voto". Ou seja, na dúvida, nas possibilidades, nas consequências, sempre o aplicador da lei deveria beneficiar a validade dos votos, respeitar a vontade popular expressa em eleições livres.
Questões burocráticas legais podem ser superadas com boa vontade. E isso é feito diuturnamente nas nossas Cortes de Justiça, porque, afinal, o objetivo máximo é obtermos paz com justiça.
O voto é o mais importante meio de transformação de uma sociedade democrática.
Nas últimas semanas, as Cortes Eleitorais (leia-se os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral - TSE e os TRE estaduais) cassaram vários mandatos de deputados eleitos, diplomados e com assento em seus parlamentos.
Sem adentrar ao mérito de cada um destes casos, mesmo porque, seja o que se diga, a opinião de um advogado nunca é aceita sem oposição. Ciente disso, continuo a dizer.
As Cortes Eleitorais devem ser as guardiãs da democracia, zelando pela lisura e pelo voto do cidadão. O que não é conveniente é que essas decisões não aproveitem ao máximo os votos e retire de candidatos mandatos que lhes foram outorgados pela soberania popular.
O que me leva a escrever essa crônica é a preocupação com um detalhe: as cassações dos deputados conservadores e de direita vicejaram de forma estupenda.
Interessante, ainda, que os cassados são todos eles iniciantes, com novas ideias, juventude e, evidentemente, um entusiasmo nem sempre contido ou bem-recebido.
Vejam-se as cassações do Deputado Deltan Dallagnol (TSE) e dos deputados estaduais Marta Gonçalves, Dra Silvana, Alcides Fernandes e Carmelo Neto - todos do Ceará - e o deputado estadual Rafael Tavares (MS).
Como dito, não se pretende questionar aqui o mérito das decisões judiciais, mas há, sim, uma certa sensação de inoportunidade.
As decisões são defensáveis juridicamente, ainda que discutíveis. Isso faz parte da dialética do Direito. Tanto que se pode ver nas entrevistas de juristas concedidas à mídia a saudável contradição.
No entanto, a retirada do cenário político de deputados como o Deltan Dellagnol acarreta uma descrença popular, ou melhor, dá suporte para narrativas que não são favoráveis ao sistema democrático.
Acresce a isso que, eliminar do pleito 40.000 votos - caso do PRTB em MS -, é expor esse eleitorado à perda de lideranças.
O sistema democrático brasileiro, que elege representantes do povo, reconhece a impossibilidade da democracia direta e estabelece homens e mulheres que sirvam de interlocutores para as decisões a serem tomadas.
O motivo do princípio do aproveitamento do voto, visa, justamente, ter a interlocução do povo com seu Executivo de forma que a voz de todos seja ouvida. Cassar mandatos, mesmo que de forma legal ou por filigranas do Direito, deixa setores da opinião pública fora do debate. Por isso, cada julgamento eleitoral deveria ter, de imediato, o sentido de salvar votos, manter lideranças eleitas.
A palavra cassar, de triste memória, tão falada nos tempos da ditadura na qual vivemos nos anos de chumbo, deveria ser um verbo pouco conjugado nos dias atuais.
Isso é possível? Sim, para que não chancelemos as conclusões de Pascal:
Três graus de latitude modificam toda a jurisprudência, um mediano decide acerca da verdade; com poucos anos de domínio, as leis fundamentais mudam; o direito tem suas épocas, a entrada de Saturno em Leão nos assinala a origem de determinado crime. Curiosa justiça que um rio delimita! Verdade aquém dos Pirineus, erro além.