Dívida de Gratidão
Eu tinha uns dezesseis anos, estava finalizando o ensino fundamental no turno da noite, o colégio em que eu estudava ficava a uns vinte minutos de distância à pé da minha casa, por esse motivo, minha mãe providenciou um Passe de Estudante, maravilha! De ônibus eu chegaria em cinco minutos…
Tinha um cara "de poucas palavras" que sentava ao meu lado nos fundos da sala de aula (não lembro do seu nome), ele aparentava ter uns quarenta anos, tinha voltado a estudar recentemente. Ele quase sempre chegava atrasado por causa do trabalho, eu lhe emprestava o meu caderno para ele copiar as matérias que havia perdido, às vezes, eu dava até uma breve explicação sobre as mesmas, nos tornamos amigos...
O uniforme da Escola Estadual Natividade Patrício Antunes era um jaleco branco, não tinha brasão estampado no bolso, isso nunca tinha sido problema para eu pegar o ônibus. Um dia porém, por esse motivo, ignorando o Passe, o motorista me mandou descer, fui, mas o chamei de vacilão, ele se enfureceu, largou o volante e veio atrás de mim, eu corri para não apanhar…
Outro ônibus demoraria uns trinta minutos, decidi ir à pé. Nesse dia eu que cheguei atrasado ao colégio, o amigo que sentava ao meu lado já estava lá: "Qual é neguinho, se atrasou por que?", Me perguntou ele. Sem aumentar nem diminuir contei a ele o ocorrido. Com uma frieza espantosa ele me propôs o seguinte: "Vamos sair, eu vou lá em casa pegar meu 'ferro', daí a gente vai para o ponto de ônibus, quando você vir o motorista que queria te bater, dá sinal, quando o ônibus parar eu 'sento o dedo nele'"...
Arregalei os olhos, agradeci, e respondi que não tinha necessidade daquilo, ele insistiu, mas eu recusei novamente. Nesse dia eu aprendi o significado de dívida de gratidão, ou não, já que matar parecia algo que dava prazer ao meu amigo, e na verdade ele só queria um motivo.