Cortando o Cabelo e Aprendendo
Enquanto aguardava minha vez, para cortar o cabelo, dirigi atenção à conversa entre o cliente, que aparentava uns sessenta, que via seus excessos capilares serem atirados ao chão, e o barbeiro, aparentando uns trinta.
O diálogo foi iniciado pelo barbeiro que, depois de comentar sobre o aluguel de sua igreja ser pago a famoso e grande empresário da cidade e acrescentar a observação: o cara tem muita, mas muita grana mesmo; perguntou ao cliente: qual a sua religião?
Sem dar tempo ao cliente para responder, acrescentou: sou evangélico e Cristo salvou a vida de meu pai e a minha. Se não fosse sermos acolhido por Cristo, não teria essa barbearia e nem estaria cortando teu cabelo.
O cliente de forma incisiva respondeu, não tenho religião, mas sou religioso.
O barbeiro, num tom de surpresa, retrucou: como pode ser religioso se não tens religião.
Parecia que o cliente, a muito não recebera uma oportunidade de expressar sua religiosidade sem ter religião, pois desandou a falar de forma tal, que o barbeiro, mesmo mostrando querer interrompê-lo, não sei se o cliente intencionalmente, ou pelo entusiasmo pela oportunidade da narrativa, não permitiu ser interrompido pelo barbeiro, que se resignou na condição passiva de ouvinte.
Reposicionei-me na cadeira de espera, agucei meus ouvidos por compreender aquele momento, como oportunidade de conhecer entendimento bem diferente do tradicional, religiosidade sem pertencer a alguma instituição religiosa. Eis, o melhor de meu esforço, para registrar a narrativa do cliente.
Sua pergunta tem origem por não entender religião como eu. Para mim religião, termo que vem do latim, “religare”, significa religar esse homem, que todos nós percebemos, esse homem com CPF, à sua essência divina. Depois que assim entendi, abandonei a instituição religiosa, que pertencia, e duas outras que experimentei, pois nenhuma, satisfazia o exercício da religiosidade, ou seja, de proporcionar, de facilitar essa ligação perdida do humano com o divino.
A grande diferença entre os religiosos, sem religião, com os pertencentes a uma instituição religiosa, acredito que seja: no esforço desenvolvido para reduzir e eliminar a solidão humana ao divino; e no reconhecimento a esses seres maiores, a esses deuses, que deram origem às ideologias, as filosofias, aos códigos e que caracterizam as instituições religiosas.
Assim como todo cristão, como você, sei que Cristo é um desses seres, mas também sei que Fohi, Lao Tsé, Moisés, Krishna, Zaratustra, Hermés, Buda, Maomé, Blavatsky e outros que deram origem às escolas iniciáticas e, ou, às religiões tradicionais, são mensageiros divinos, que vieram para trazer diretrizes, para que esse elo perdido, entre o humano e o divino fosse recuperado.
Como entendo que ainda necessitamos desse tipo de orientação, pois esse “religare” ainda está longe de acontecer, acredito que ainda surgirão outros. E, se por acaso, em algumas dessas próximas Vindas, formos o espaço geográfico e o povo onde ocorrerá esse surgimento, espero que O reconheçamos, e não repitamos a mesma ignorância por ocasião da vinda de Cristo de Belém, da Judéia. Não se esqueça meu jovem evangélico, de nossa escolha aquela época, Barrabás...
Incomodado, pois já terminara, a alguns minutos, o serviço solicitado pelo cliente religioso, sem religião, o barbeiro, de forma delicada, pegou o espelho colocou-o numa posição o cliente pudesse ver e aprovar o serviço, e deu por terminado o serviço.
Com clara demonstração de certo alívio, falou ao religioso, que não pertence a nenhuma instituição religiosa, sobre a relação, cliente com o prestador de serviço: são quarenta reais...