O HOMEM QUE FALAVA JAVANÊS
Roberto falava e escrevia em javanês, idioma falado na ilha de Java, uma das maiores ilhas da Indonésia e do mundo, localizada no sudeste asiático. É conhecida por sua rica cultura, história, paisagens deslumbrantes e população diversa. Dizia que, quando menino, morando com a família num pequeno sítio no interior de São Paulo, tiveram um vizinho javanês que lhe ensinou o idioma. Conquistou muitas meninas dizendo frases apaixonadas em javanês, inclusive a que se tornou a esposa. Nas festas de aniversário fazia o maior sucesso mostrando a rapidez com que traduzia palavras para o javanês a pedido das pessoas. Certa vez, o clube do bairro fez um bingo beneficente e ,foi convidado a declamar um longo poema em javanês, tendo sido aplaudido de forma efusiva por todos. Quando nasceu sua neta primogênita, Júlia, ao pegar a bebê no colo pela primeira vez, a abençoou em javanês, deixando todos emocionados, inclusive a enfermeira da maternidade. Assim foi levando a vida, exercitando a fluência naquele idioma tão pouco difundido no resto do mundo. Mesmo quando estava desenganado, com Alzheimer em grau bem avançado, era só em javanês que balbuciava palavras baixinho, quase inaudível. A neta Júlia cursou jornalismo e um dia entrevistou o avô que fez questão em responder em javanês, gravando e guardando o áudio como verdadeira relíquia. Quando ela fez 15 anos, o presente foi uma viagem de intercâmbio na Austrália e lá conheceu um rapaz da ilha de Java, Seneng, significando feliz em javanês. Fez questão de apresentar, pelo celular, a entrevista feita com o avô. E qual não foi a sua surpresa quando o rapaz disse que aquilo nunca foi javanês, se tratando de um amontoado de palavras desconexas. A Júlia ficou possessa, com ódio e frustração, querendo avisar toda família de que foram enganados aqueles anos todos. Mas desistiu de manchar a memória do vô Berto, como carinhosamente o chamava. Alguns farsantes não merecem ser desmascarados, fazendo jus a aplausos por terem sido capazes de enganar tantas plateias da vida com maestria e cara de pau singular. Assim o Roberto pôde descansar em paz, que em javanês é ngadeg ou tenang.