Problemas de família
Dedé, nada a ver com o Dedé Mamata de Rodolfo Brandão, mas o pai preocupado com o futuro dos filhos e filhas, jogava peteca na quadra de areia do sítio da família.
Do outro lado da quadra duas filhas do primeiro casamento (que ele sempre desconfiou terem sido alvo de alienação parental contra ele). O filho de cinco anos, do segundo casamento, assistia, pouco atento, à peleja enquanto brincava com bonecos e carrinhos.
De repente, quando Dedé recuava para rebater a peteca, tropeçou na borda da quadra – uma borda de cerca de trinta centímetros de altura destinada a conter a areia dentro da área de jogos –, desequilibrou-se, desandou em recuo para fora da quadra e torceu o tornozelo. Jogou-se ao solo, num rolamento, para reduzir o impacto da torção. Aliviou o impacto, mas não evitou a lesão. Ficou contorcendo de dor no chão.
As duas filhas, completamente rubras e tensas, seguravam-se, no limite das suas forças, para não explodirem em gargalhadas. “Estão se segurando para não demonstrarem a satisfação, o prazer de verem o pai se lascar todo!”, resmungou o atleta de fim de semana contundido. As duas viraram as costas enquanto fingiam observar em silêncio a natureza ao redor: riso preso, entalado na garganta: melhor não falar nada, porque se se tentar falar alguma coisa confirma a acusação do pai lamuriante.
O garoto, por sua vez, fez aquilo que as crianças fazem quando se assustam ou se frustram: caiu em prantos! Dedé procurou confortá-lo, de longe, de onde estava, dizendo que a dor estava passando – mentiu, porque não estava passando e a lesão se tornaria crônica e, consequentemente, sua fiel companheira nos dias, semanas, meses, anos que se seguiram... O garoto aceitou as explicações do pai e foi brincar.
Dedé, com o espírito mais lesionado do que o tornozelo, se retirou para o interior da casa, enquanto as duas filhas, em silêncio, brincavam de rebater a peteca, descontraída e silenciosamente, para que a tensão do riso preso se desfizesse; antes de entrar de vez na casa, ele profetizou apontando para o filho agora absorto em brincar: “hoje ele chora diante da possibilidade de o pai não estar bem, quando crescer, muito provavelmente aprenderá com as irmãs a ver o pai como um estorvo ou como um simples nada, merecedor de pilhéria por seus infortúnios...
Doze anos depois, Dedé observa o filho que não é mais a criança chorosa, mas um rapaz forte, bonito, de cenho fechado, com tendências a comportamentos arrogantes, agressivos e deseducados, com o pai (coisa de adolescente, muitos dizem)... Assusta-se, ele que sempre foi descrente de qualquer força além da racionalidade, ao ver que sua despretensiosa profecia está se cumprindo... “É apenas a lógica, tal qual matemática!”, tenta convencer a si mesmo em busca de afugentar os efeitos de uma previsão que, no fundo, ele gostaria de que não se confirmasse, gostaria de ter se equivocado.