Um Inusitado Dia das Mães
Quando a mãe dos meus filhos foi embora, eu fiquei com a espinhosa incumbência de cuidar de uma menina de 3 anos e um menino de 2. De qualquer forma, tendo a mãe desaparecido completamente de circulação, fui criando as minhas crianças sozinho. Passou-se a fase do Jardim de Infância, quando à pergunta "Cadê mamãe?", podia tranquilamente responder: "Mora em outra cidade. Um dia ela volta". Mas ao chegar ao Ensino Fundamental, não cabia mais o engano e tive que abrir o jogo: "Brigamos, separamos e ela foi embora". Nunca, entretanto, expliquei-lhes os verdadeiros motivos, pois não poderia envenenar o coração dos meus filhos contra a mãe, cuja memória convém que não seja desairosa lembrança em corações adolescentes.
Mas ausência de mãe jamais se supre nos corações dos filhos e eu às vezes me martirizava muito por sentir que eles sofriam pela falta da figura materna nas suas vidinhas. E não havia, nessa época, dia mais temido por mim do que o Dia das Mães. Raiva, frustração, pena dos meus filhos me envolviam. Eu sabia que era penoso para eles não poder participar das homenagens às mães dos alunos no colégio em que estudavam. Onde uma mãe para os acompanhar e ser homenageada?
Mas em 1986 ocorreu algo diferente, inusitado. A diretora do colégio onde eu estava lecionando era a Marlene, minha colega na Faculdade de Letras. Na véspera do Dia das Mães desse ano, ela me chamou:
- Meu caro professor Antonio, amanhã o colégio realizará uma confraternização em homenagem ao Dia das Mães. Todos os alunos trarão uma flor para ofertar às mães. Venha com os meninos, professor, para ser homenageado.
- Ora, Marlene, não sou mãe, sou pai!
- Professor, não é o senhor quem provê o sustento desses meninos, quem cuida deles quando estão bons e quando estão doentes, quem os educa e quem os ama?
- Sim, sou eu.
- Então, não há dúvida: se o senhor é pai e mãe ao mesmo tempo para os seus filhos, a sua presença nessa homenagem está duplamente justificada.
Fui. Mas quero confessar que me sentia completamente desconfortável: eu, um homem, no meio de vinte ou trinta mães. Por várias vezes, deu-me uma tentação de me levantar e cair fora. Mas a Marlene tinha uma língua terrível: se eu fugisse, o melhor dos elogios que me faria seria o de cabra frouxo. E fui ficando.
Vieram os discursos, recitação de versos, e, finalmente, cada criança foi se levantando e chamando a mãe para entregar uma flor. Comecei a suar frio. Meu Deus, por que tinha me deixado levar pela conversa da Marlene?
Chegou a vez de Marcus, meu filho, que disse: Essa flor é para o meu pai! Levantei-me para receber, todo o constrangimento já vestido de emoção. Aquilo tinha um significado incrível e todos captaram o momento mágico. Por isso soaram muitas palmas.
Chegou a vez de Daniele, que repetiu: Essa flor é para o meu pai! Mas como sempre foi mais falante e mais cara-de-pau que o irmão, acrescentou: Porque meu pai é minha mãe!
Houve uma gargalhada geral. Mas uma gargalhada estranhamente emocionada
E daquela sala, onde se festejava o Dia das Mães de 1986, eu saí com duas flores e os olhos úmidos de gratidão, porque os meus filhos tinham reconhecido o coração de mãe que batia dentro do peito do seu pai!...
Santiago Cabral