Crônica de segunda #4
Violão velho também faz música
I
Carlos e Roberta se conheceram em um dia chuvoso na praia, enquanto se protegiam em um quiosque, lá no horizonte o sol se punha, cenário de filme sol com chuva. Ele com vinte e oito anos e ela com vinte e um, uma jovem apaixonada por rock se sentiu atraída por ele que era músico e com seu vilão atraia a sua atenção, os lindos olhos cor de esmeraldas dela o fitavam o tempo todo com seu instrumento, o magrelo cabeludo tinha uma bela voz.
— Você manda bem com o violão. — Ela sorri.
— Valeu. — Ele sorri de volta.
A partir daquele dia os dois passaram a se encontrar na praia sempre ao fim de tarde e ficavam na areia apreciando o sol se por, em uma tarde dessas, Roberta o pede para tocar sua música preferida, Rebirth da banda Angra. Ele dedilha a introdução da música enquanto ela com os olhos fechados parece querer sentir o momento, a brisa do mar sopra seus lindos cabelos cacheados.
— Cara! Você canta muito, sua voz é linda.
Ao terminar a música ele a beija, primeiro beijo a partir daquele dia o amor estava selado.
II
Carlos e Roberta começaram a se encontrar todos os dias, ele acredite ou não, foi a casa dos pais da garota pedi a mão dela em casamento, o pai não muito satisfeito não teve opção a não ser aceitar. Seis meses depois estavam se casando em uma cerimônia linda em uma praia particular, coisa intima só família e amigos próximos, uma linda tenda de panos cor nude, gaiolas com pombas brancas, uma arpa tocava a música preferida da moça enquanto Amanda uma jovem e promissora cantora, cantava a música de forma magistral, todos estavam estasiados com sua voz. Cerimonio linda, encerrada com vôo das pombas brancas, e pétalas de flores espalhadas por todo o lado.
Como nem tudo são flores passado meses de casados o casal apaixonado já tentam ter filhos, mas descobrem que Roberta não pode engravidar, a jovem fica frustrada, mas Carlos a ajuda, eram um casal que ninguém apostava, mas tinham maturidade e respeito no relacionamento.
III
Carlos é técnico de sistema e toca na noite, Roberta estudante de publicidade, sempre o acompanha e suas noites são sempre prazerosas, até que uma noite dessas após ele terminar de tocar, eles bebem e comemoram, ela começa a passar mal, apartir daquele dia viraria rotina em sua vida e eles nem imaginavam isso. Ela começa a comer pouco, sentir fraqueza diariamente, vômitos, dor na cabeça constante, desconfiava que estava doente, mas escondia dele, até que um dia ao chegar em casa Carlos se deparar com ela no chão desmaiada.
IV
— É um câncer no lobo temporal e muito agressivo. — Lamento não ter boas notícias diz o médico.
Carlos se levanta desesperado da cadeira com a mão na cabeça. Roberta em choque tenta assimilar o que acabou de ouvir.
— Escuta... isso tem cura, não tem? Diz que tem! — Carlos segura o braço do médico.
— Temos que começar o tratamento mais rápido possível. Sei que não é fácil, mas vão lá fora respirar um ar puro, tomar um café ou suco e voltem depois mais calmos, estarei aqui para conversar com vocês.
— Eu não vou a lugar nenhum. — Carlos treme. — Eu quero respostas.
O médico se levanta, observa a jovem que ainda continua sentada com lagrimas pressas em um olhar vidrado.
— Sei que não é fácil receber uma notícia dessa, me deparo com isso diariamente. — ele puxa Carlos próximo à janela. — Ela precisa de você, vai ter que ser forte por ela.
Naquele momento Carlos entende. Dias depois o médico lhe dá o diagnóstico. Câncer estagio 3, super avançado, não havia mais o que fazer, somente tratar para amenizar o sofrimento dela. Ele se desespera com a notícia, cai de joelhos no chão e chora muito, é amparado pelo médico e uma enfermeira.
V
Carlos curte os dias ao lado de sua amada, ele havia retirado os espelhos da casa, a moça estava sem cabelo e muito magra, andava de cadeira de rodas, ele nunca disse a ela que o caso dela era irreversível. A leva a praia todas as tardes, os dois curtem o por do sol juntos abraçados.
— Nos... conhece...mos bem.. ali. — Ela diz tremendo e com muita dificuldade apontando para o quiosque.
Ele sorri para ela e lhe beija.
— Ele é o nosso lugar. — Carlos diz a confortando em seu peito.
Em casa o inseparável violão dele começara a dar poeira, a meses não era tocado, a esposa sentia falta e dizia para ele não deixar de tocar, era o que gostava de fazer, até que um dia ela o convence a pegar o instrumento, mas quando vai tocar começa a chorar, dessa vez ele desaba, a meses estava tentando demonstrar força para ela.
VI
O dia da cirurgia chega, já passa quase dez horas, ele angustiado do lado de fora ficava com um lenço de cabelo dela em suas mãos, aquele homem foi criado e cresceu sem fé, mas naquele período de sua vida passou a clamar ao criado pela vida de sua amada. Enquanto ela passa pelo procedimento ele se lembra dos momentos vividos. O primeiro olhar, beijo, cada por do sol ao lado dela, cada show, o casamento e as noites de amores.
Após a cirurgia ela fica em coma por quase um mês, ele fica ao lado dela cada segundo, estava com o cabelo e a barba maiores ainda, havia perdido alguns quilos também. Infelizmente Roberta nunca mais acordou, e em uma fatídica madrugada o seu corpo parou.
Carlos ficou destruído, nunca mais foi o mesmo desde a partida dela, dizia que ela o fez um novo homem que havia encontrado o sentido de sua vida ao seu lado. Em casa pensa em destruir seu violão, chegou a fazer muita força e ao aproximá-lo do chão, algo parece o impedir.
Dias depois do enterro ele decide ir até a praia, violão nas mãos, o lenço dela amarrado nele, o instrumento estava mal cuidado, arranhado e com as cordas enferrujadas, mas sentado na areia no lugar que ficavam, ele o afina e de frente para o mar iluminado pela luz do sol que estava partindo, anunciando a chegada da noite ele toca, a música preferida de sua amada, de olhos fechados cada nota o faz a sentir e ele a enxerga em cada vibrar do violão e de suas cordas vocais, ao dedilhar o final da música abre os olhos e percebe que no telhado do quiosque uma pomba branca o observa, ao terminar ela pega vôo e vai em direção ao por do sol que causa um lindo reflexo na água.
15/05/2023
Willian Nicácio