A DECISÃO QUE CUSTOU UMA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Eu sou obrigado a confessar que a politica bem praticada é fascinante, contudo, o que vemos muitas vezes por aí é a política “mal politicada”, mal praticada, mal utilizada, mal assumida e mal vista...

Nos idos de 1988/89, eu até que tentei praticar essa “boa política”, dentro da minha visão. Foi quando então com 26/27 anos, juntamente com outros jovens ‘sonhadores’ e outros nem tão jovens, mas, do mesmo jeito sonhadores, resolvemos organizar em Lavras uma Comissão Provisória do Partido da Juventude. Partido nascido em 1985.

Primeiramente movidos pelo sugestivo nome e depois seduzidos pela linha de ‘centro-direita’ do recém criado partido político.

Assim, entramos em contato com o então prefeito de Juiz de Fora, um jovem idealista de nome Alberto Bejani, integrante do PJ, que nos apresentou ao então presidente do partido, Daniel Tourinho. Este, por sua vez, acreditou na nossa “santa inocência”, pudica vontade de ver o Brasil mudar e nos passou todo o papelório para a criação da Comissão Provisória do partido em Lavras.

Então, criamos a Comissão Provisória do Partido, que de repente virou PRN – Partido da Reconstrução Nacional.

Sem entrar em detalhes, mas aquela vontade de militância política leve, desinteressada e bem intencionada se agigantou de uma forma que nunca poderíamos imaginar. De repente “estávamos” diretores do partido político daquele que viria a ser o presidente da República Federativa do Brasil.

Um belo dia recebi uma ligação telefônica de um conhecido – apenas conhecido – mas, grande amigo de meu pai, que depois passou a ser também um grande amigo pessoal: o advogado Jairo Alvarenga. Dr. Jairo era portador de uma incumbência, ingressar no PRN de Lavras e coordenar no sul de Minas toda a campanha do então candidato Fernando Collor de Mello à presidência da República.

Eu, particularmente fiquei muito feliz com a ligação de Dr. Jairo, seu ingresso representaria a entrada de uma pessoa digna, honesta, séria e sem qualquer vaidade política. Acontece que, para minha surpresa e de todos do PRN de Lavras, o melhor amigo do então candidato Collor era um Lavrense de ligações muito estreitas com o interlocutor Jairo Alvarenga. Tratava-se do mega empresário do ramo imobiliário em Brasília Paulo Octávio Alves Pereira, filho de um grande amigo de meu pai, o Dr. Cléo Octávio Pereira, que tudo fez para nos levar para Brasília quando da criação da nova capital federal. Dr. Cléo foi um dos pioneiros em Brasília e queria porque queria que o advogado Geraldo Bertolucci fosse com ele para o novo eldorado, mas, minha mãe terminantemente não aceitou e ficamos por aqui.

Na verdade, Dr, Cléo quando soube que o presidente do PRN em Lavras era o ‘filho do Bertolucci’, recomendou ao seu filho Paulo que promovesse o ingresso de Jairo Alvarenga no partido para ‘somar esforços’. E assim aconteceu. Promovemos a convenção municipal, elegemos Dr. Jairo ‘presidente de honra’ e à reboque, outras forças dignas e de muito valor também vieram se somar ao PRN.

Uma semana depois estávamos em Brasília para conhecer pessoalmente o então candidato Collor e reiterar ao mesmo nosso compromisso de lutar pela campanha ‘collorida’ em Lavras e região. Neste dia foi nos passado o encargo de coordenar uma grande região do sul de Minas e foi o que aconteceu. Fomos trabalhando, firmes na convicção de que Collor, o “caçador de marajás” era a melhor opção presidencial. Nesta reunião, não me lembro totalmente, mas, estavam presentes, por Lavras: eu, Dr. Jairo Alvarenga, Dr. Hilton José Reis, Eustáquio cabeleireiro. Em Brasília nos juntamos ao Dr, Cléo, pai de Paulo Octávio e nosso ‘cicerone’, ao meu primo Toninho Dantas, e a Maurício Pizzolante, irmão do Dr. João Pizzolante Filho.

No “QG” da campanha fomos apresentados a Fernando Collor, a seu irmão Leopoldo, nosso conterrâneo Paulo Octávio, um deputado estadual por Alagoas de nome Renan Calheiros (alguém conhece?), ao senador João Castelo, a uma baixinha de nome Zélia Cardoso de Mello, a um senhor mal encarado de nome PC Farias, ao embaixador Marcos Coimbra e ao candidato a vice-presidente Itamar Franco, dentre outros políticos e apoiadores.

Ao nosso compromisso de apoio na campanha, Fernando Collor prometeu que no seu primeiro ano de mandato, caso eleito, retribuiria com algum benefício coletivo para Lavras. Assim, assinamos um protocolo com cinco pedidos, dentre eles, a captação das águas do Rio Grande para por um fim ao crônico problema de falta d’água em Lavras. O presente realmente ocorreu, mas, não quero entrar nessa seara, até porque havíamos decidido não politizar ou reivindicar a nossa participação na resolução deste grava problema local.

Bem, passados poucos dias após essa visita, nos chega um novo pleito por parte do candidato Collor. Através de Paulo Octávio, ele mandava dizer que “não aguentava mais” a bipolaridade do seu candidato a vice-presidente Itamar Franco. Um homem bom, seríssimo, honesto, mas, extremamente temperamental, assim, precisava o candidato Collor tentar um outro nome para sua chapa que ainda não havia sido homologada em convenção, contudo, a chapa ideal, na visão dos marqueteiros, políticos e apoiadores, tinha que passar por Minas Gerais. Trocando em miúdos: o vice-presidente de Collor tinha que ser um mineiro e, o candidato dos sonhos de Collor não era Itamar Franco, com quem mal já conseguia conversar. O candidato dos sonhos de Collor era o ex-governador de Minas Gerais Hélio Carvalho Garcia.

Segundo Paulo Octávio, tentativas no meio político já tinham sido feitas sem sucesso. “- O Hélio está fugindo do Fernando assim como o diabo foge da cruz!” Confidenciou o empresário ao seu amigo Dr. Jairo. Dr. Jairo era sim, muito amigo da família Pereira. Ele era padrinho de batismo do irmão de Paulo Octávio e era tido por Dr. Cléo como “o irmão que ele não teve”, uma vez que o amigo somente tinha uma irmã, dona Cleurice Pereira de Rezende, viúva do ex-diretor da ESAL, o professor Jaziel Rezende.

Assim, coube a nós de Lavras a missão de tentar convencer o renitente Hélio Garcia a aceitar ser o candidato a vice-presidente na chapa de Collor. A missão não era política, a estratégia era laçá-lo em nome da amizade, em nome de um bem maior: o Brasil.

Assim, arregimentamos uma ilustre comissão formada por seu grande amigo José Augusto da Fonseca, o Sr. José Leônidas do Café Tipuana, que era tido por Garcia como uma espécie de irmão, assim como era o Dr. Cléo para com o amigo Jairo Alvarenga, que também foi peça importante nesta comissão, uma vez que Dr. Jairo foi amigo dos tempos do Instituto Gammon e recebera de Garcia até mesmo um apelido. Dr. Jairo era o ‘cherôso’, apelido dado por Hélio Garcia ao amigo em função do ‘andar’ do Jairão, que gesticulava fortemente os braços para traz, como se estivesse abanando algum gas expelido pela rede orgânica e humana de esgoto, digamos assim...

Outros amigos também foram convocados, não me lembro muito bem, mas, o Anísio da Cooperativa foi convocado, o Carlos Alberto Carvalho, alguns amigos de Perdões e Santo Antônio do Amparo. Pelo PRN de Lavras foram arregimentados Hilton Reis, Eduardo Vilela, Vergílio Laurente e eu, que também tinha uma relação de parentesco com Hélio Garcia: o pai de Hélio Garcia, o saudoso tio Júlio, era irmão de meu avô materno, Joaquim Otaviano Garcia.

E assim fomos! Era uma segunda-feira, por volta de 13h. Apesar de termos marcado com ele em sua fazenda em Santo Antônio do Amparo, o sempre impontual Hélio Garcia só foi aparecer por volta de 14h, após ter se levantado e tomado um banho. Insistiu muito para o acompanharmos no almoço que ainda não tinha sido serviço, mas, declinamos.

Hélio Garcia não sabia por que motivo estávamos lá. Ele aceitou a nossa visita sem saber de qual assunto se tratava e, quando dissemos qual o motivo, Hélio Garcia caiu em gargalhada e ainda nos tirou muito “sarro”:

- Vocês saíram de Lavras só pra perder tempo comigo???

- Vocês pensam que vão me convencer a praticar esse verdadeiro devaneio???

- Vocês ainda tem muito o que aprender sobre política!!! Virando-se para José Leônidas: “Ô Zé, depois de meio século de política você desaprendeu tudo???”

Virando-se para o Dr. Jairo: ”Ô cherôso, você me conhece. Me chama pra tomar um whisky que eu vou gostar, mas pra cair numa esparrela dessas??? Ser um coadjuvante de um menino que ainda usa fraldas???”

Virando-se pra mim: “Ô Geraldinho, tenho certeza que a sua mãe nem sabe que você tá aqui, porque, se soubesse te daria umas palmadas na bunda. Vocês estão querendo é me passar uma rasteira!”

Virando-se para todos: “Pessoal, vocês vieram aqui pra jogar uma casca de banana no chão pra eu pisar e escorregar???”

E, completou:

“Esse menino tá me mandando recados todo dia, já mandei avisar que não saio com ele. Ele não passa nem no primeiro turno. Vai perder de lavada! Pra falar a verdade, nem sei onde o Itamar tava com a cabeça pra ter aceito ser vice dele. O Itamar tá cavando a própria sepultura!!!”

E ria, e ria, e ria...

Virando-se novamente para o Dr. Jairo: “Cherôso, você depois de velho resolveu perder o juízo. Quê que você tem a ver com isso? Desde quando você é amigo desse moleque???”

Dr. Jairo calmamente lhe explicou a relação com o Dr. Cléo. No que Garcia finalizou: “Avisa ao ilustre dentista que é melhor ele voltar a arrancar dentes dos outros, porque os meus ele não arranca!” (Dr, Cléo era dentista).

E a conversa continuou e Garcia escapava de todas as hipóteses de vir a aceitar ser o candidato a vice-presidente de Collor. A cada tentativa, Hélio Garcia tinha uma piadinha pronta.

A verdade é que Hélio Garcia definitivamente não acreditava na curva já ascendente de Collor. Na sua visão ele terminaria como um dos menos votados. Desdenhou a candidatura de Collor de todas as maneiras. A candidatura de Collor para ele não passava de ‘uma piada de mau gosto’, como chegou a dizer.

Neste momento Garcia, ainda sem almoço, mandou que providenciassem alguns tira-gostos, pediu whisky, cachaça, água e refrigerantes. Nossa conversa durou umas duas horas. O único que o acompanhou numa dose de whisky foi nosso amigo Jairo Alvarenga. Segundo Dr. Jairo, só pra não deixar de fazer companhia ao amigo Hélio.

E assim voltamos totalmente frustrados em ter que repassar ao candidato Collor que a sua alternativa seria mesmo o intempestivo Itamar Franco em vez do imprevisível Hélio Garcia.

O resumo da ópera, todos sabem: Collor foi para o segundo turno com Lula e terminou vencedor das eleições. Desta forma, o descrente Hélio Garcia perdeu a oportunidade de certamente ter governado o Brasil por dois anos. Se teria sido bom, ninguém nunca saberá, mas, cabe aqui uma ponderação: foi Itamar quem conseguiu implantar o Real como moeda brasileira. Sinceramente tenho minhas dúvidas se tal situação teria acontecido sob a batuta de Hélio Garcia.

Posteriormente, Dr. Jairo me confidenciou uma conversa que teve com Hélio Garcia, que disse mais ou menos isso para o amigo Jairão: “E não é que você levou para mim uma deliciosa bandeja e eu acabei declinando? Essa eu vou ficar te devendo, meu querido Cherôso”.

GBertolucciJr.

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Enviado por GBertolucciJr em 15/05/2023
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