NATAIS DE ONTEM
Quando criança, era coisa estabelecida como certa, que o Natal tinha de ser comemorado na casa de meus padrinhos.
Até aí, nenhum problema. Tudo era motivo de festa e alegria, não somente em razão da data, mas pelo inusitado do passeio. Nós morávamos em Botafogo, e eles lá para as bandas do Engenho Novo, num bairro chamado Jacarézinho. Uma viagem e tanto! Tínhamos que tomar o trem da Central e depois pegar um bonde para completar o trecho.
A casa, grande e confortável, fica situada numa rua bastante íngreme, justamente numa curva. Era uma rua bem movimentada, pois os mais apressados valiam-se dela para encurtar caminho para o Méier. Nos dias de chuva porém, transformava-se no maior dos divertimentos. Os carros, por mais que tentassem, não conseguiam subir a ladeira. As rodas deslizavam nos paralelepípedos molhados, e lá vinham eles de ré com o risco de abalroarem aqueles que estavam, ainda, no começo da tentativa.
Na mesa farta e bem sortida predominava o bacalhau nas suas várias modalidades: bacalhau à portuguesa, bacalhau à milanesa, bolinhos de bacalhau... bacalhau isso... bacalhau aquilo...
Para mim no entanto, era justamente aí que residia o problema. Apesar de tanta fartura, ou talvez por causa dela, eu nada via para comer. Acostumada que estava às comidinhas de minha mãe, as iguarias expostas não me despertavam o apetite. Quando muito petiscava uma ou outra rabanada, alguma fruta cristalizada... avelãs e amêndoas (só pelo prazer de quebrá-las). Divertía-me também descascando castanhas para quem quisesse comer: eu mesmo não as comia, sabiam-me à batata doce.
Meu padrinho, homem falante e de bela presença, se demorava à mesa depois da ceia terminada contando casos, trocando estórias com os convidados. Eu, esquecida de tudo mais, ficava ali, toda ouvidos. Era o melhor da festa.
Na verdade não me recordo bem dos acontecimentos da noite. Sei que havia muita gente: parentes que há muito não se viam demoando-se em conversas intermináveis, cada qual exaltando as qualidades de seus rebentos.
No que me diz respeito, o ponto alto era, justamente, aquele momento pós ceia em torno à mesa. Desde criança sou louca por estórias, tanto gosto de ouví-las como gosto de lê-las, pena que não as saiba contar.
Ao longo da minha vida tenho encontrado contadores de estórias: alguns bons, outros nem tanto. Agora mesmo venho de fazer amizade com um grupo de pessoas especialistas na arte de relatar acontecimentos, e o fazem de um modo primoroso. Sempre que nos encontramos deleito-me com suas narrações, e me transporto aos Natais de minha infãncia quando, apenas, começava a entrever a existência de um mundo fantástico e desconhecido - o da literatura.
Maio de 1995