Qual é a população do Brasil? 214.000.000 de brasileiros passam fome.
Há não muito tempo, numa corrente pra frente, noventa milhões de brasileiros, em ação, torciam pela seleção canarinho. Sabia-se, então, e dispensando-se estatísticas oficiais, que eram 90.000.000 os habitantes do Brasil, não exatamente, claro, assim arredondado, os noventa milhões de brasileiros a salvarem a seleção: eram noventa milhões, e mais um bom punhado, os nativos da terra de Cacambo e Lindóia. De lá pra cá, a população brasileira cresceu um bom tanto até atingir, hoje, a casa dos duzentos milhões, e superá-la em uns quatorze milhões. Não se sabe ao certo quantos são os brasileiros que todo santo dia trombam-se e estranham-se pelas ruas e avenidas e calçadas e praças deste vasto Brasil, afinal todo dia nasce e morre gente, e milhares, dos mais diversos credos, das mais variadas raças. Convencionou-se, para efeitos práticos, arredondar os números que indicam a população de um país tão populoso quanto o Brasil, sabidamente entendendo-se que é impraticável afixar-se, como se fazia em tempos não muito distantes, à entrada de uma cidade, uma placa a indicar-lhe população, e com todas as casas decimais. E dada tal convenção, tem o Brasil 214.000.000 de habitantes. Mas está correta a informação?
Antes de prosseguir, informo: dizia-se, há uns quatro anos, que tinha o Brasil uns 208.000.000 de habitantes. Era o que eu pensava, pois, acreditando honesto o governo, entendia correta a informação. E eu sabia que não eram exatamente quatrocentos e dezesseis milhões os pés, que pisavam o solo pátrio, de gente nascida no Brasil, afinal recém-nascidos em nenhum coisa pisam e é considerável o número de pessoas que por alguma razão amputaram uma ou duas de suas pernas, perdendo, consequentemente, os pés. Hoje, todavia, no entanto, porém, e entretanto, não sei se eu estava certo ao acreditar no governo, e se o governo merecia que nele eu depositasse o meu voto de confiança. Explico, no próximo parágrafo, o que estou a pensar.
Há pouco, ouvi o tal "L" declarar que no Brasil morreram, vitimados pelo vírus que é o bode expiatório perfeito a assumir a culpa pela desgraça que políticos e bilionários promoveram de quatro anos até a presente data, 700.000.000 de brasileiros. Você não leu errado, querido leitor: o tal "L" declarou que setecentos milhões de brasileiros morreram, coitados! vitimados por um bichinho que, de tão minúsculo, ninguém jamais o viu mais gordo. E podemos acreditar que tal informação está correta?! Mas é claro: a fonte é confiável.
E, encasquetado, a atanazar-me, a torrar-me a paciência, a gastar-me a beleza, a tirar-me do sério, a roubar-me a paciência, uma pulga homiziada atrás da minha orelha, não sei da direita, se da esquerda, está a me inspirar uma pergunta incômoda: "Eu estou vivo?" Se eram duzentos e oito milhões de brasileiros em ação, para salvar a nação, com amor no coração, e no peito muita paixão, e morreram setecentos milhões, então eu morri, e três vezes, e renasci uma única vez. E um adendo: eu e outros duzentos e sete milhões e novecentos e noventa e nove mil e noventos e noventa e nove brasileiros morremos três vezes e renascemos uma vez, o que explica o Brasil ter hoje duzentos e quatorze milhões de habitantes, ou tal não explica porcaria nenhuma.
E para encerrar este trecho deste meu artigo: de uns tempos para cá, inventaram os sábios de plantão uma nova matemática, que, não sendo eurocêntrica, e caucasiana tampouco, atende aos padrões da diversidade racial e étnica humana, o que permitiu que se suprimisse inúmeros preconceitos, não se sabe quantos deles até então de todos desconhecidos, o que explica as inconsistências, que me abismaram, e apalermaram-me, das informações referentes à população brasileira. Neca de pitibiriba entendendo da nova matemática, que está a erguer um mundo melhor, deixo o dito pelo não dito, e calo-me.
Agora, outro trecho do artigo, o segundo, e último, que será bem curto, e o principio com uma informação, que fará você, leitor, coçar a sua, e não a minha, cabeça, mas por pouco tempo, pois na sequência esclarecerei o caso: ontem, depois das duas da tarde, passei fome. Você não leu errado, leitor: ontem, depois das duas da tarde, passei fome. Ocupado com alguns afazeres profissionais, depois de, às oito da matina, beber, a emborcar um copo americano, uma boa dose de café bem preto adoçado com açúcar mascavo, e comer duas fatias de pão de fôrma recheadas de manteiga, meu estômago, a roncar havia duas horas, só foi sentir cheiro de comida às três da tarde. Tal caso, eu a pensá-lo com a minha cabeça, obrigou-me a concluir, a contragosto, confesso, que estava correta a tal "M" ao declarar que no Brasil cento e vinte milhões de pessoas passam fome - e todas essas pessoas, porque a passarem fome, não estão pra frente, a salvarem a nação. Explico o meu caso, no próximo parágrafo.
Assim que, meu estômago a reclamar feito doido, me dei conta de que eu estava a passar fome, uma lâmpada acendeu-se-me um palmo acima da cabeça, iluminando-me o espírito até então obnubilado pela má-vontade. Repeti comigo, em pensamento, e, creio, em voz alta, umas duas vezes: "Estou a passar fome! Estou a passar fome!" E então entendi as palavras da tal "M", mulher de sabedoria natureba, mulher de estreito vínculo com a Mãe Gaia, vínculo umbilical. Ora, todo brasileiro, sejamos sinceros, digamos a verdade, já passou fome, pelo menos uma vez na vida. Então, à tal "M" uma ressalva: 214.000.000 de brasileiros passam fome, se não todo dia, uma vez ou outra, ou uma vez na vida e uma na morte. Agora, sim, está a coisa no seu devido lugar. E que todo brasileiro tenha a boa-vontade de reconhecer a sabedoria ingênita da tal "M", mulher que está espiritualmente conectada com a natureza.
E para encerrar: prometo dedicar-me a estudar, diuturnamente, e com atenção inédita, a matemática que permitiu ao tal "L" chegar aos setecentos milhões de brasileiros que o bichinho infernal mandou desta para a melhor.
E vamos os duzentos e quatorze milhões de brasileiros, pra frente, numa corrente, a salvar a nação.