O ônibus

Todos os dias ela pegava o ônibus no mesmo horário, não importava o dia ela sempre estava muito bem arrumada, seu estilo era impecável, um dos muitos passageiros passou a observá-la, ficava encantado com a postura da moça, considerou que a jovem fosse dona das melhores virtudes, ficava impressionado com sua beleza.

Numa manhã de chuva novamente pegaram o mesmo ônibus, desta vez ele conseguiu ficar mais próximo da moça e planejava obter seu número, talvez acabasse tendo a boa ventura de um encontro com ela, quem sabe... O ônibus estava lotado, as pessoas moviam com violência, entre empurrões, os espaços do transporte público tão mal aproveitados, dando a impressão de um guarda-roupa com excesso de coisas dentro prestes a cair a qualquer momento, assim era a situação.

O rapaz ainda estava próximo da moça mas não podia sequer tocar nela para chamar sua atenção, entre eles havia cerca de 5 pessoas, caras fechadas, reclamações, ninguém pretendia se ajudar, não procuravam meios para melhorar, gritavam desaforos ao motorista que enfrentava um trânsito congestionado, o rapaz se entristeceu. Na próxima parada entrou uma mulher e suas duas crianças, um casal, o menino pequenino chorava desconsolado segurando a saia da mãe, esta por sua vez olhava desolada para o aglomerado de pessoas que não deixavam espaço para se respirar direito, tudo muito difícil, a menininha vendo o desalento da mãe, viu que ela estava distraída com a multidão e o filho menor e resolveu se aventurar, coisas de criança, sem que a mãe percebesse ela conseguiu se soltar, pequena e magrinha, se perdeu emtre as pessoas. O rapaz continuava em pé, a moça conseguiu sentar-se, ele pensou em se aproximar mas antes que conseguisse, ouviu o grito de raiva da moça, ao olhar melhor viu que a mulher com o menino ainda segurando nas saias da mãe viera pra mais perto do banco onde a moça sentara e o menino provavelmente tinha feito algo que irritara a jovem. A mãe cansada ouvia calada a passageira irritada brigar com seu filho, já estava angustiada porque também notara a ausência da filha, queria só por aquele momento não ser a mãe, com a moça exasperada, os demais passageiros começaram a manifestar também, não estavam preocupados com a mãe e sua criança que pisou acidentalmente no pé da jovem, cada um gritava por sua própria frustração e naquele alvoroço não ouviam uns aos outros, até que lá do fundo uma voz gritou mais alto, era uma mulher com uma criança no colo, ela havia encontrado a menininha que saira de perto da mãe, a criança já chorava, a mãe reconheceu o choro da filha, preocupada quis sair logo de onde estava para chegar até a menina mas estava difícil, as pessoas não davam espaço e ela ainda tinha o filho menor para cuidar.

O rapaz observava a angústia da pobre mãe, ninguém estava preocupado com o que acontecia, a moça tão admirada por ele, com cara de entediada se ocupou com o celular, pôs os fones de ouvido, a confusão começada por ela não a importava mais. Alguém puxou a campainha para descer, a mãe continuava longe da filha, o ônibus continuava seu trajeto, o motorista certamente cansado prosseguia em seu destino, quando inesperadamente um carro em alta velocidade ultrapassou o ônibus, para não bater o motorista deu uma freada brusca e claro os passageiros sofreram também, a moça desapercebida com a freada caiu no chão, o braço do banco estava para cima e ela sem proteção alguma caiu, constrangida levamtou-se quis voltar ao banco mas uma outra passageira querendo se sentar foi mais ágil e conseguiu o assento, a maioria se machucou de alguma forma e começaram a reclamar, o rapaz perdeu de vista a mãe aflita, o ônibus cheio, todos com seus próprios problemas, quando o ônibus parou no próximo ponto algumas pessoas desceram e finalmente diminuiu um pouco da tensão em que todos se achavam, o rapaz estava preocupado com a mãe aflita, então aproveitou o espaço que agora tinha para observar ao redor para ver se a encontrava.

Ainda lá atrás a mulher que estava com a menina tornou a gritar, o ônibus cheio, pessoas, uma massa raivosa, confusa, a moça em pé, o rapaz indeciso, a mãe sumida na multidão. Um dia a mais no cotidiano dos trabalhadores. Aqui e ali pessoas preocupadas com conforto e ilusões, todos queriam ser ricos, não ter problemas, todos tinham algo a clamar da vida e ninguém queria mais preocupação, em determinado ponto não se ouviu mais o grito da mulher lá atrás, nem o choro da criança, todos foram trabalhar, a massa precisa continuar se movendo como de costume. O rapaz conseguiu olhar pela janela quando finalmente o ônibus ficou vazio, o rapaz não fazia parte da massa, olhou e viu a mãe, suas crianças e uma jovem ao lado, caminhavam tranquilas, o ônibus continuou seu destino, o rapaz também e aquela outra moça tão admirada sumiu dos seus olhos e pensamentos, ele não era a massa, ele então desceu do ônibus foi atrás da mãe, das crianças e da mulher que estava junto, encontrou-os e seguiram para outro destino, o da empatia.

Rita Flor
Enviado por Rita Flor em 12/05/2023
Código do texto: T7786296
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