A Candidata
“A Candidata”
- Mãe, o que é isso no chão?
- São santinhos.
- Mas são tantos! Eles caíram do céu?
- Não, filha, são candidatos, políticos. Esses papeizinhos são propaganda. Números e nomes.
- Ah, já tinha até pensado que era a ordem deles no céu. Eu vi muitos também com as caras nos carros.
- É a mesma coisa.
- Mas eles são candidatos a quê?
- A representarem o povo.
- Que povo?
- O nosso povo.
- Mas eles estão sempre sorrindo e a senhora já disse que o povo sofre. Eles estão bem vestidos e tentam ser parecidos com o povo, mas não são, né?
- Não, filha. Vamos mudar de assunto?
- Por que, mãe?
- Nada não. Já viu como o domingo está lindo?
- Tá, mas os santinhos sujaram a cidade todinha.
- Mãe, os candidatos são candidatos a quê?
- Já disse, representarem o povo.
- Mas como?
- Eles viram presidentes, senadores, deputados federais, deputados estaduais. Desta vez. Antes já tivemos a eleição para vereadores e prefeitos. Cada época é um. Depende do mandato. Aí eles vão para o palácio, no caso o presidente e o governador. E para o Senado, os senadores e para a Câmara dos Deputados, os deputados, lá em Brasília. Entendeu?
- Entendi. Mas para que palácio se o povo é pobre? Eles não podem morar nas casas deles mesmos?
- Podem, mas é lá em Brasília.
- É só alugar.
- Não é tão simples.
- Quem paga?
- O povo, com os impostos.
- Papai não gosta de pagar impostos.
- Eu sei. Mas ele paga.
- Ele diz que já vem descontado na fonte. Que fonte?
- Filha, esse papo tá chato.
- Por quê?
- Pára de perguntar por que, eu estou ficando cansada de tantos porquês.
- Mas mãe, quem são esses homens todos? E tem até algumas mulheres, também. O que eles fazem?
- Cada um tem o seu trabalho, sua ocupação e depois resolvem representar uma classe, ou um ideal de vida.
- Legal. Eu quero ser candidata. Qual o cargo mais importante?
- Você não sabe?
- Sei, presidenta.
- Então, excelentíssima candidata a presidenta do meu país, qual a sua plataforma de governo?
- Primeiro eu não tenho plataforma alguma, já que a senhora e o papai não deixam eu usar salto. E nem pintar as unhas.
- Não é isso, o que você vai fazer pelo seu país, para as pessoas?
- Fácil. Escola e saúde.
- Onde você ouviu isso?
- Eu não tenho que estudar? Para depois trabalhar, ter um emprego, casar e ter filhos? Bom pra ter filhos nem precisa casar já que a prima Ana ficou grávida sem casar, né?
Mas continuando. Quem estuda sabe das coisas. Sabe falar, sabe ler, escrever, se virar. É mais inteligente, discute tudo. Como o papai e a senhora. E saúde. Assim; comer bem, dormir cedo. Não precisa pagar médico e nem escola. E nem remédio. E nem hospital. Lembra quando eu torci o pé e o papai esqueceu a carteira do convênio? E o papai gritava e o povo pedia a carteira. Até que eu tirei ela da minha bolsinha? Pois é, se fosse de grátis...
- De graça, filha.
- É, de graça, não precisava brigar. Tudo resolvido.
- E o resto?
- Que resto? Que mais eu preciso?
- O transporte, o dinheiro, a gasolina, a luz, a água, a casa, o aluguel...
- Isso não é comigo. Só Educação e Saúde. Esse resto é o mercado que manda.
- A filha, essa foi demais! Que mercado? Com quem você anda conversando?
- Com ninguém. Só com o João Mário, meu irmão.
- E daí? O que ele disse?
- O mercado tem leis. De oferta e procura. Regras claras como um videogame. Tudo se equilibra. Qualquer coisa que se compra, um produto ou um serviço, quanto mais gente tiver melhor. Isso chama concorrência.
- Filha, minha cabeça está doendo.
- Por quê?
- Você é o melhor candidato que eu já conheci. Meu voto é seu!
- Então manda fazer um santinho pra mim pra eu distribuir na escola?
- Eu faço, filha.
- Mas eu não vou sujar a cidade e nem o país. Eles, os políticos só fazem sujeira.
- Eu sei, filha, eu sei.
- Educação e Saúde. Bota bem grandão.
- Tudo bem. Mais alguma coisa?
- Não, mãe. Só uma pergunta.
- E qual é?
- Quando eu crescer eu posso me candidatar e mudar o mundo?
- Todos podemos, o meu você já mudou.
- Então, mãe, porque você não muda o seu mundo pertinho, que está a sua volta? Como eu?
JB Alencastro