Frete
Não sei seu nome
Só o vejo de vista
Quando vou fazer compras no mercado
Nossos olhos se encontram
Mas recuam de pronto
Acanhados
Ele pergunta, com um gesto, se vou querer carro de mão (outro já sinalizava outro tipo de carro - o táxi)
Ele pega frete
Queria saber o nome dele
Carrega um semblante humilde, quase triste
Digo que não - porque já pedi Uber
Mas não desiste: pergunta a outras pessoas com feira
É um trabalho de paciência
Tem que saber ouvir vários não pra depois vir um sim
É que os pegadores de frete são como pescadores que aguardam pacientemente o peixe morder a isca
Todavia, são daqueles pescadores de vara na mão, humildes, rudimentares; nesse mercado competitivo, eles, os pescadores com vara, concorrem com as canoas a motor, cujos pescadores têm redes de arrasto, tarrafas; outros, mais modernos, vêm de lancha, barcos diversos, munidos de tecnologias novas em termos de pesca...
Mas nem sempre foi assim!
Houve um tempo que pegar frete era ofício exclusivo dos mais humildes. Todo mercado (antes da onda dos Supermercados e Atacados) tinha abundância de pegadores de frete, e, mesmo assim, os donos das feiras se acotuvelavam para ser o primeiro da fila.
Porque como a viagem era a pé para o destino do freguês, e às vezes longe, se demorava para retornar ao mercado, de modo que sempre tinha mais freguês esperando pra ser atendido. Eu mesmo já peguei frete várias vezes, apesar da timidez. Dava pra fazer um bom trocado.
Tempos áureos! Hoje em dia, vê-se um ou outro que ainda resiste; lê-se nos seus olhos a esperança de alguém vai aceitar "uma corrida". Ouvi de um que pra não pegar no que é dos outros prefere se incrustar no mercado com seu carro de mão. Havia também os embaladores, que ajudava no caixa atrás de qualquer moeda do troco do cliente. Hoje é função do funcionário do próprio mercado.
Meu Uber chega. Comodidade. O avanço tecnológico engolindo os pescadores com vara. Eu espio pela janela se o rapaz conseguiu algum frete... Me lembrou alguém que fica alheio às mesas, acabrunhado, sem um tostão furado, esperando que alguém lhe ofereça um copo...
Não sei o nome dele, mas da próxima vez que o vir, morderei sua isca e irei conversando com ele todo o caminho. E poderei chamá-lo pelo nome.
E serei seu amigo.
Se daqui pra lá ele não tiver morrido de fome...