Embrulhos

 

            Na infância aguardava os presentes. Vinha a noite, a ceia, a princípio não me importava com os adultos bêbados pelos cantos desde que me dessem embrulhos escondendo infelicidades.

            O tempo correu e na juventude passei a presentear e vieram amigos secretos, e até ocultos, com o mau gosto em papel celofane e fitas coloridas. Cansei de doar no dia seguinte o que não me agradou nem por um instante. Os adultos continuavam bêbados.

            Na fase adulta vieram filhos, a família realiza bingos, brincadeiras, troca dos mesmos pacotes coloridos. Vejo nas crianças o olhar que era meu um tempo atrás. Época de desencontros e lágrimas pela felicidade que passou. Carregamos nossos ranços, descasos, e aquela velha palavra presa na garganta bem como as que saíram e devíamos ter engolido.

            Não se sabe se teremos ceia este ano. Mas alguém sempre dá um jeito de assar de última hora o peru e pede que se leve uma salada de batatas. O vinho pode ser bom, mas sempre aparece um que não queremos na adega. Vêm as mesmas conversas, os jovens trazem namorados novos servem-se à vontade. Alguém dá vexame, as angústias se renovam e o presépio fica esquecido a um canto.

            As mais velhas puxam uma reza. O menino Jesus é um boneco rachado e esquecido que herdamos da avó; hoje habitante de hostes estelares.

            Fico olhando todos aqueles rostos com os quais convivo a quarenta e um natais. Cada cabelo branco pode contar uma história. Novos e velhos membros se encontram. Sempre tem um primo, tio ou prima que não pode vir por estar doente, ou por não se dar bem com o Fulano.

            Tem o namorado rejeitado, o desemprego do primo, a bomba que o Júnior tomou, de novo; a depressão da Maria e a ponte de safena do Arnaldo. Vamos vendo aquela fila extensa andar e a nossa hora ir chegando. Raro é o ano em que não teve um enterro ou um casamento para marcar.

            E, antes que me esqueça, alguém fica bêbado e desfila as mágoas. Uma desavença é lembrada. Uns choram e outros abafam o mais novo escândalo. No dia seguinte fazemos um almoço com as sobras e nos esforçamos para sorrir e contar de novo os velhos casos que ninguém suporta mais.

            A propósito, Feliz Natal para você também...


(criado para atender ao desafio Anjos de Prata - Textos de Natal)