O SARRABULHO DO SERTÃO

 

A cozinha de dona Mundinha era uma festa animada, começava logo cedinho, em plena madrugada. O cheiro do café incitava todos os moradores da casa, despertando os  curumins que pediam o seu bocado... o bolinho chapéu-de-couro enganava a molecada. O fogão queimava a lenha na espera da buchada. Dona Mundinha não dava moleza, caminhava para todo lado, encostada na mesa velha já ajeitando a carneirada. Pegava logo o espinhaço e cortava em pedaços, jogava tudo na panela feita de ferro ou de barro. O tempero era a banha, a pimenta e o alho, acrescidos do colorau, do sal e da cebolada. Em seguida lá ia ela, chegou a vez da buchada, com o bucho todo limpinho e as tripas bem viradas, colocava os temperos e depressa costurava. Chegou à hora da fussura, cortava o fígado bem retalhado, o coração estraçalhava, o mocotó ela quebrava e a cabeça bem arrumada, no tacho os condimentados, acrescentado o toucinho, um remelexo adoidado. Agora o sarapatel para o rango arretado, com o sangue aferventado, pinicado e cozinhado, acompanhado do cuscuz e do arroz bem temperado. Dona Mundinha não reclamava, sua cozinha era movimentada, um entra e sai de tanta gente, na espera do cardápio. O alguidar ficava cheio, pratos e talheres já usados, na mesa a colher de pau, no fogão a panelada. Aos domingos era um vexame, todo mundo muito bem arrumado, era a hora da Santa Missa, o desjejum já tá botado, um balaio de pãezinhos amanteigados, o leite bem quentinho e o cafezinho aromatizado. No templo, dona Mundinha, não ficava concentrada, tinha que aprontar o  almoço, mas estava agoniada, para preparar a saborosa galinha caipira com o molho à cabidela, que já tinha deixado lavada, o arroz e o macarrão todos super refogados. A farofa da gordura do cozido, era muito esperada. Na hora da refeição era tudo calculado, um pedaço para cada um, muita gente esfomeada, o prato já prontinho, com a coxa mais desejada, pois tinha um microfone e a briga era danada. A moela era destinada para o amado filho caçula e o  sobrecu ia direto para o prato do dono da casa, dizia-se que dava fogo e o deixava esquentado. Dona Mundinha bem tranquila escutava tudo calada, com jeitinho conduzia a bonita filharada, prometia uma sobremesa, do doce de leite cortado. O jantar bem tranquilo, com um fígado ensopado, não agradava todo mundo, tinha gente que não gostava. Tinha ainda, o mungunzá, a canjica, o arroz doce, o leite escaldado e a deliciosa coalhada. À noitinha dona Mundinha não se apresentava cansada, ainda tinha muito fôlego para uma prosa na calçada, enquanto, no seu fogão, a lenha ainda queimava. Feito a Maria Fumaça,  dona Mundinha só trabalhava. Pois logo  no cantar do galo ela já levantava,  seguia sempre sorridente para a sua próxima jornada.