Na fila do caixa
Eu sei como fui parar ali — na fila do caixa —, só não sabia como sairia no fim da história, isto é, quando acabasse a fila, se é que tinha fim. Provavelmente, estaria aliviado. Pra começo de conversa, não tive como fugir, era entrar ou desistir de comprar a latinha de molho de tomate que estava em minhas mãos. Ainda se fosse um belo queijo curado, um bolo confeitado em oferta ou um abacaxi pérola, mas não, era uma simples latinha.
Entrar numa fila é um horror. Assusta os mais velhos, as donas de casa e os adolescentes. O efeito deletério que provoca nas crianças já deve ter virado tema de teses de doutorado. Já viram alguma criança feliz numa fila? Sem comentários. Tem quem pague para outros guardarem um lugar na fila. Seriam os “fileiros”? Trata-se de uma profissão? Assim como existem os “flanelinhas” ou os “lobistas”, talvez existam os profissionais das filas, encarregados de guardar lugar para os que, como eu, ficam apavorados se tiverem de ficar numa fila por muito tempo.
Nos primeiros cinco minutos, eu já tinha lido duas vezes o rótulo da simpática latinha, já me julgava um entendido em molhos e sonhava com uma deliciosa lasanha, cuja receita estava impressa naquele espaço mínimo. Não sei como conseguem diminuir tanto as letras e enfiar tanta informação ali. Achei perda de tempo ler pela terceira vez sobre calorias, gorduras, colesterol, sódio, potássio, carboidratos, açúcar, vitaminas e proteínas. Como a fila não andava, comecei um exercício mais complexo relacionado à quantidade de tomates necessários para um molho, mas não cheguei a qualquer conclusão razoável.
Um dos meus receios, quando estou enroscado numa fila, é encontrar conhecidos ou desafetos. Não sei o que é pior. No primeiro caso, a conversa começa com amabilidades diversas, confidências, fofocas e curiosidades sobre vizinhos e parentes, mas o risco maior é descambar em intermináveis desavenças políticas. Com o desafeto então, nem se fala, o constrangimento é enorme. Ruim mesmo é quando constatamos que estamos na fila por conta de coisas insignificantes. Ainda se fosse meia dúzia de rosas vermelhas, uma caneta estilosa ou um livro, sei lá.
Outra coisa ruim das filas é você ter de ficar de pé e nem sempre existir sequer uma parede para encostar. A gente se vira, muda de lado, se contorce, se equilibra em uma perna só, e tem os que, de tão cansados, se agacham. Gente deitada se vê muito é nas filas dos hospitais. O fato é que a fila anda — um antigo ditado popular —, eis a utopia que nos faz permanecer nela.
Ouvi alguém comentar outro dia que fila é estratégia de marketing e de poder. Concordo. Quanto a mim, larguei a latinha e fui embora. Passei no mercadinho da esquina e comprei uma dúzia de tomates. Aceita uma lasanha?