TODO MENINO É UM PERIGO
O presidente Lula foi ao Estado do Paraná para dar posse ao diretor-geral brasileiro da Usina Itaipu Binacional. Discursando, ele foi interrompido por um menino que pediu a palavra. Lula, gentilmente, concedeu e o menino lhe indagou:
- Já caiu o preço da picanha?
Risada geral, o presidente brasileiro teve que explicar ao presidente paraguaio, ali presente, que havia prometido que os brasileiros voltariam a comer picanha e, por isso, a cobrança, mas pediu tempo.
O vexame foi certo, ainda que amenizado pela espotaneidade do garoto.
Menino e aposentado, de fato, são perigosos. É que toda criança e todo velho tem o direito de dizer o que lhe vem à cabeça e cobrar o que lhe assiste, inclusive escrevendo crônicas.
Conselho: nunca deixe menino falar nas horas solenes. Essas criaturas são realmente um risco. Lula que o diga.
Meu pai também tinha o que dizer.
Inadvertidamente me levou a uma viagem. Lá pelo ano de 1963 ou 1964, fomos a Vila Brasil, hoje Fátima do Sul, linda cidade sul-mato-grossense. Ele levava dois pastores: meu tio, Benito Raimundo, e seu colega suiço, Monnier, que estavam atendendo a um projeto missionário.
Hospedamo-nos num hotel de madeira, como eram as construções em Vila Brasil, região de grandes florestas. A noite, ao jantar, o garçom chega à nossa mesa e pergunta:
- O senhores aceitam um cafezinho?
Não seria necessária aquela pergunta se o garçom soubesse que ali estavam dois pastores adventistas do sétimo dia e um recém-convertido, meu pai. É que os adventistas são orientados a não usarem de bebidas excitantes como o café.
No entanto, o perigo estava ali, sentando, com seus seis ou sete anos: eu!
Meu velho tomava um cafezinho mesmo depois de batizado e a piada familiar era que, quando do seu batismo, ele desceu às águas deixando a mão direita de fora. Perguntado o porquê daquele gesto, teria dito: É porque com essa mão eu pego a xícara do café. E todo mundo caía na risada, inclusive ele, sabendo que o neófito irmão Rui não pretendia deixar de tomar seu cafezinho.
Ante a negativa dos pastores em aceitar o café e o silêncio do meu pai, fiquei atônito e resolvi ajudar meu progenitor. Levantei a mão e, com dois dedos, o indicador e o médio, bem evidentes, disse ao garçom, assumindo a culpa e denunciado o nosso doutor Rui:
- Dois aqui, um para mim e outro para o meu pai!
Os pastores desabaram em risadas. Nem me lembro se meu pai riu também. Mas a história ficou para muito tempo.
Anos depois, meu pai foi ao aeroporto receber o pastor Monnier, que chegava outra vez a Campo Grande. Do alto da escada do avião, tendo visto meu pai, o pastor ergueu o braço e repetiu meu gesto dos tempos da Vila Brasil: dois aqui, um para mim e outro para o meu pai.
Guri, caro leitor, é um perigo enorme!