LEMBRANÇAS...
Lembrança, porque não foges de mim
Ajude a arrancar do peito essa dor
Afaste meu pensamento e o seu
Porque vamos reviver esse amor...
Com esses versos se inicia uma das mais belas canções sertanejas, cantada por Zé Fortuna e Pitangueira. Aliás, "Lembrança" foi escrita pelo Zé Fortuna, um dos maiores poetas do cancioneiro do sertão. Não, não estou a relembrar nenhum amor do passado. Simplesmente acordei com essa melodia na cabeça hoje. Aliás, ultimamente, muitas das canções que eu ouvia em minha infância teimam em aflorar em minha mente. Bem, dizem que recordar é viver, não é mesmo? E toca a recordar "Mágoas de boiadeiro", "Pingo d'água", "Disco voador"... aliás, essa ultima era cantada pela dupla Palmeira e Biá. Não me recordo no momento quem escreveu essa letra, mas é uma canção muito bonita, onde o autor compara os avanços tecnológicos como uma tentativa do homem se igualar a Deus... e no final ele lembra que ninguém é mais poderoso que o nosso criador e que, sim, pode ter vida em outros planetas espalhados por esse infinito divino. E sua afirmação vem de uma comparação bem singela... se quem tem um filho pode ter mais filhos, o Senhor também pode ter outros mundos! Dá para contestar essa afirmação? Creio que não...
As vezes me pego pensando o que uma pessoa que viveu no inicio do século passado iria achar de nossa sociedade hoje, se de repente acordasse no meio dessa loucura que é a nossa vida atualmente. Primeiro que ele não iria reconhecer o próprio lugar em que viveu. A gente que está vendo as coisas seguirem em frente não consegue isso...
Embora tenha nascido no interior - sou da cidade de Taubaté, do Vale do Paraíba, interior de São Paulo - vim para Santo Amaro... periferia da Capital... com dois anos de idade. E desde então permaneço no mesmo local. Amo meu bairro, não o trocaria por nada desse mundo. Claro que meus filhos não partilham desse meu sentimento, mas é aqui que cresci, aprendi as primeiras letras, cresci, consegui meu primeiro emprego, conheci minha cara metade, me casei, nossos filhos vieram... bem, muitas coisas mudaram durante todo esse tempo. A vila pacata de interior foi se modificando com o tempo. As matas e descampados foram dando lugar para construções de todos os tipos, das mais humildes até aquelas de pessoas com mais posses. As ruas de terra foram ganhando asfalto e a vegetação foi, pouco a pouco, desaparecendo. Os regatos que cortavam toda a região foram sendo aterrados, em nome do progresso. Os animais silvestres foram, pouco a pouco, sendo extintos na região. Sim, não consigo reconhecer aqui como o lugar em que cresci, palco de minhas brincadeiras junto com as crianças que cresceram comigo. Muitas delas já partiram para o outro plano, algumas ainda em tenra idade, outras com um tempo um pouco mais avançado. Mas posso dizer que, daquela turma que conviveu comigo em minha infância, sou uma das ultimas ainda por aqui...
Próximo a minha casa, onde moro desde minha infância, tinha um grande calipal. Era uma coisa muito linda. Quando as árvores expeliam suas sementes, que ficavam espalhadas pelo chão, a gente as pegava, encantadas com sua forma de cálice. E brincávamos com estas, viajando pela imaginação, transformando-as em mil coisas belas... sim, era muito lindo. E já falei do perfume que as árvores emanavam quando o vento do leste vinha em direção ao oeste, espalhando aquele cheiro delicioso pelo ar. Não dá para explicar isso, só quem já viveu próximo a uma floresta pode compreender a beleza que ela tem...
Já comentei aqui que moro próximo da represa. E que quando ia para a escola, passava pelos vários regatos que desembocavam na represa. Alguns desses regatos, quando iam se aproximando de seu destino, tornavam-se riachos de um tamanho razoável. E não eram muito rasos. Não raro, muitas pessoas perderam suas vidas nos riachos por não os respeitarem. Eu mesma, por pouco não embarquei para Hades antes do tempo por pura sorte e presença de espírito de minha prima. Havia chovido e todo o chão estava meio escorregadio. A gente seguia nosso caminho normal para a escola e, como sempre, pulávamos um riacho que ficava em nosso caminho. Meus primos saltaram sem problemas. Quando fui fazer o mesmo, escorreguei nas margem do riozinho e caí como um saco de batatas na água fria. Claro que me apavorei . Nunca aprendi a nadar. Acho que subi uma vez na superfície, quando emergi pela segunda vez, minha prima agarrou-me pelos cabelos. Foi minha sorte. Auxiliada pelo meu primo, conseguiu resgatar-me da água. Meus cadernos foram embora. Mas eu fiquei viva...
Essa minha prima ainda continua entre nós, mas o meu primo a muito já embarcou na nau de Caronte. Ela mudou-se para outra região e faz muito tempo que não a vejo. Mas a vida é isso, uma constante de mudanças, onde hoje as pessoas estão reunidas, alegres e confiantes no futuro e, de repente, cada um parte para seu destino, pois são poucas as pessoas que compartilham um mesmo destino. Enfim...
Bem, vou parando por aqui... é claro que eu tenho muito que falar, ainda... mas o tempo não para. Ele é dinâmico e não nos permite imprimir nosso próprio ritmo, temos que nos adaptar a ele. E hoje tenho muitas coisa pendentes a fazer...