NOSSOS PRESIDENTES COMETAS E OUTSIDERS

 

     Na política brasileira, como cometas, temos salvadores da pátria de trinta em trinta anos. É sempre o mesmo frisson nacional, a mesma esperança da varinha mágica, o mesmo moralismo, o mesmo fanatismo e, depois, a mesma decepção.    

     Verifico para não errar: Jânio Quadros foi eleito presidente no dia 03 de outubro de 1960. Eu tinha quase quatro anos de idade e posso localizar ali as minhas mais remotas lembranças.

     Estávamos, eu e minha mãe, sentados no banco dianteiro de um jeep, talvez um fordinho 29, um ou outro. A uma quadra dali, na esquina da Avenida Afonso Pena com a rua 14 de julho, a do Relógio, iria se realizar o comício do candidato a presidente do Brasil, Jânio da Silva Quadros, nascido em nossa cidade, a Campo Grande, pujante cidade do sul do Mato Grosso.

     Daquele ano eu me recordo que aviões teco-teco sobrevoavam a cidade e lançavam cartazes e pequenas vassourinhas, incentivando o voto no nosso conterrâneo.

     As vassourinahs eram cobiçadas, inclusive por crianças como eu. Assim, íam se formando as "consciências" políticas. É pra rir, não fosse trágico.

 

varre, varre, varre, varre vassourinha

varre, varre a bandalheira

que o povo já tá cansado

de sofrer dessa maneira

Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!

 

     Era o jingle da campanha do outsider candidato.      

     O Brasil vive ciclos de trinta anos, ao final dos quais algum desconhecido assoma o poder da República. Em 1930, tivemos o Getúlio; em 1960 o Jânio; em 1989 foi a vez do Fernando Collor e, em 2018, surgiu Bolsonaro.

     Não posso dizer que qualquer deles tenha terminado bem seus respectivos governos, mas é certo que causaram grande estardalhaço. O primeiro, tornou-se ditador; o segundo, renunciou; o terceiro, sofreu um impeachment; e, o último, perdeu uma eleição que seria, aparentemente, fácil, justo para um enfraquecido e desmoralizado candidato da esquerda.

     Voltemos ao mato-grossense Jânio Quadros. Trouxe novidades, uma política de não-alinhamento em plena Gerrra Fria, a proibição de rinhas de galo e maiôs, e, com grande impacto, condecorou com a nossa mais cobiçada comenda (a Grã-cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul) o guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara.

     A reboque, levou para o poder o vice-presidente João Goulart, pivô da crise de 1964.

     Sentado no banco do jeep ou no colo de minha mãe, não sei, olhava para a foto do Jânio, que estava pregada no para-brisa, e ela me explicava:

     - Emerson, esse é o Jânio, ele virá daqui a pouco.

     - Mas ele vai sair por aqui? Indaguei.

     Imaginava que o nosso candidato sairia da foto e se materializaria à nossa frente. Minha cabeça infantil ainda não concebia viagens aéreas ou outras formas mais normais para alguém chegar à cidade Morena.

     - Não, ele não vai sair daí. Ele vai aparecer lá na esquina, no Relógio.

     Minha mãe procurava me fazer entender, mas eu não compreendia.

     À distância eu tenho a imagem, não o som, algumas faixas que eu não sabia ler, e muitas, muitas vassouras piaçavas erguidas saudavam aquele que iria acabar com a corrupção no Brasil, trazer o progresso. Trinta anos depois do Getúlio combater a corrupão e acabar com a política do café com leite, trinta anos antes do Collor caçar os marajás e a sessenta da caça aos corruptos "comunistas" feita por Bolsonaro.

     Porém, não vi o Jânio. Quando ele chegou eu já deveria estar no terceiro sono, deitado no colo de minha mãe.

     Perdi a belíssima oportunidade de ver pessoalmente um outsider anticorrupção. Não vi o Getúlio e nem o Jânio, mas lembro-me bem das promessas do Collor e do Bolsonaro. Assim, está empatado, dois a dois. Tenho que esperar até 2048 para o desempate.

     Haja vida!