Despertador
Seis e trinta da manhã – avisa o despertador de Manoela .
Ela já não sabe porque acorda. Seu corpo pesa sob a cama desconfortável e dura, os olhos continuam cerrados como se ainda continuasse dormindo. A cabeça maquinou a noite toda com pensamentos distribuídos entre a dieta que precisava iniciar e as contas que ainda não pagara, porque o dinheiro que entrava em sua conta todo início do mês mal dava para o supermercado. Ah, que falta faz alguém para dividir as contas, os problemas e as alegrias da vida. Alegrias...faz tempo...
Levantou, foi até o banheiro lavou o rosto, escovou os dentes nem olhou-se no espelho, temia o que veria...
Foi até a cozinha, tomou um café requentado e engoliu uns biscoitos rapidamente, não poderia perder novamente o ônibus das 7:00h, o Dr. Álvaro avisara que não toleraria mais atrasos, não naquele mês.
Ônibus lotado, gente com cara de poucos amigos se apertando umas às outras.
“Eu mereço” – pensou.
Ao descer do ônibus, enquanto caminhava rapidamente até o escritório, encontrou um homem maltrapilho, barba grande, nas mãos uma criança de no máximo dez anos, tão maltrapilha quanto Pararam-na, e argumentando que estavam com fome, pediram-lhe uns trocados.
- Estou com pressa, tenho que trabalhar, não amole! – Falou, sem olhar para os olhos deles.
- O que tem as pessoas hoje em dia, heim? Nós só estamos com fome, moça! Nós é que devíamos estar mal humorados! – respondeu-lhe o homem.
Subiu as escadas do escritório, envergonhada. Tinha que lavar o rosto rapidamente, antes que alguém mais lesse em sua testa o quanto a sua vida é uma porcaria. Foi o que fez: lavou o rosto e aí sim teve coragem de se olhar, como se a água que molhara sua face também houvesse lavado toda a sua angústia e ressentimento.
Teve vontade de descer e desculpar-se ao pobre homem, mas a hora já não mais lhe permitia.
Passou o dia melhor, como se renovada, como se tivesse despertado para o que a vida lhe proporcionava de bom.
- Manoela, você está tão bonita hoje! Diferente, especial...especialmente diferente! O que houve?
- Imagine, Gilberto, obrigada... – agradeceu, encabulada – São seus olhos...
- Não, Manu, são os seus... estão com um brilho muito bonito hoje!
- É, talvez...
- Você está diferente, o que foi?Aconteceu algo de muito bom na sua vida, não foi?
- Sabe, hoje quando estava vindo trabalhar, encontrei um senhor, um mendigo eu creio. Ele me pediu esmolas, por estar com fome, e eu não lhe dei atenção, e até fui um pouco grosseira com ele.
- E isso te deixou assim?
- Não, é que ele me disse algo que me despertou!
Gilberto não estava entendendo nada. A amiga que há muito tempo ele não via sorrir, estava contente por não ter ajudado alguém necessitado!.
-Acho que você está precisando de umas férias, amiga...
-Você não está entendendo, Gilberto... Acho que algo superior a nós enviou este senhor hoje, para me alertar que eu não posso e nem devo lamentar a vida que levo. Pois existem pessoas em situação muito pior que a minha! Não posso reclamar por não ter ninguém para amar. Eu é que preciso me abrir para receber o amor dos outros.
Manoela falava exaltada, feliz, como se tivesse conseguido entender a razão de todos os seus problemas.
- Puxa, este senhor fez um trabalho muito melhor que dez analistas juntos, heim?
- Fez sim. Ele me fez olhar para mim mesma. Me fez entender que eu não posso ser feliz endurecendo meus sentimentos, me fechando num mundinho egoísta e sem sentido.
- E o que você está pensando em fazer? Para onde está indo, o ponto de ônibus é para o outro lado?
- Eu sei...Preciso encontrar aquele senhor e o menino. Preciso me desculpar e agradecer.
- Mas como você vai achá-los? Vai procurar a cidade toda?
- Eles não devem estar longe, estavam com fome e com ar de cansaço.Tenho quase certeza que vou encontrá-los na praça logo alí adiante.
A procura é interminável. Até hoje Manoela não encontrou o homem e o menino, que mostraram-lhe o quanto a felicidade é simples! Despertadores da alma.