Coração fora do lugar
Muita gente entendida já discorreu a respeito. De Ovídio a Stendhal; do padre Anastácio de Pocotó ao ébrio Justino Johnnie Walke; de moças de fino trato a rapazes suspeitos; enfim e ademais, ninguém soube precisar exatamente qual o remédio para superar um coração partido.
Tenho um amigo de apenas 11 aninhos, coitado, que se diz apaixonado pela coleguinha de classe. A coleguinha o ignora para fins de namoro. Tem-no apenas como "amigo". Ele protesta, e me pede conselhos. Eu, coitado, que sugestão posso dar, sendo, segundo a estatística e os manuais de cartomancia, inapto em matéria de conselhos, ainda mais em relação a coisas do coração?
Se pelo menos eu fosse cardiologista, e não apenas cardiopaciente; se tivesse apenas 11 aninhos e habilidade nas cartas; se namorasse a Bruna Marquezine, ainda que apenas nos feriados nacionais; se eu não fosse eu, mas alguém que soubesse sobre a existência de alguém que se deu bem em uma história de amor; se...se....se.... e mais uns dez milhões de "se", talvez...
Se pelo menos meu amigo estivesse na casa dos 18, eu poderia lhe sugerir qualquer etílico medicinal, ou visita à Natasha Mãe dos Desesperados, a acolhedora e sábia conselheira do amor.
Mas Natasha (muito ética e outrora desiludida amorosa amostral) não atende menores de 18. Então me resta dizer a meu amigo, para lhe restituir o equilíbrio emocional, que a Nitendo pretende lançar em breve o mais revolucionário videogame, e a preço módico... Porque esse meu amigo de 11 anos e apaixonado tem uma inteligência física impressionante: sabe jogar videogame sem cansar os dedos.
Ele parece não se impressionar. Parece mais tímido, mais distante, mais pálido que o habitualmente aceitável para um homem acometido pelo amor. Pergunto se está tudo bem; se, no caso de a amiguinha não aceitar suas pretensões, ele ficará bem, com o coração no lugar. Ele faz um minuto de silêncio, olha para o chão por fração de segundo, e me volta a olhar, e me diz nos olhos: "Se pelo menos eu soubesse cantar em Inglês".
Esse meu amigo apaixonado aos 11 anos é um otimista, e talvez a idade explique. É normal, e geralmente logo passa. Passa a idade, passa o amor, fica o homem, dilacerado estatistica e mundialmente, com o coração fora do lugar.