UM HOMEM ENVOLTO NO MUNDO
Sou um homem que desistiu de muita coisa na vida. Talvez desista de outras. Pela paz de espírito? Oficialmente é uma resposta boa. A verdade é que me cansa muito não desistir. Como cantou Belchior, não estou interessado em nenhuma teoria.
Utopia para mim seria uma cabana no meio da floresta, longe demais das catedrais, do tráfego de pessoas e automóveis. Algum lugar que esteja longe demais do interesse humano. Dos protocolos e manuais. De receber e gastar salário. De ser contribuinte e um nome na receita federal.
Os folguedos da política, as peripécias sociais, a etiqueta, a formulação sobre o cosmo. Tudo continua sem exercer encanto sobre o que ainda sou. Assim sigo. Se sou regido por algum mapa astral ou sistema econômico pouco me interessa. Se sou o alienado ou o sábio por se calar, decidam e não precisam me informar da decisão.
Entre um dia de sol e uma noite de tempestade, sou o que dorme ao som dos trovões. Há um tipo estranho de alívio em mim quando estou dormindo. Todos os meus chacras se alinham e o zodíaco parece fornecer álibi à minha apatia.
Sou o que não se alimenta com o néctar das vaidades. Não sei o que me governa. Minhas vontades são poucas. Pouco uso tenho feito das filosofias e metáforas abundantes do mundo. Sou um péssimo ator de mim mesmo. Meu personagem é figurante e não ambiciona muito mais que isso.
Sou um homem que não se convulsiona com as dores do mundo. Não mais. Sou estrangeiro de qualquer pátria. Sou o visitante que se esbarra no convidado. Sou apostata de qualquer fé. Sou o avesso de um missionário.
E assim sigo. Sem máscara, sem palco, sem legado. Sem muito ênfase. Apenas um homem que dobra a esquina e de repente é um vulto na escuridão.