AQUELA CANÇÃO DE AMOR...
Uma vez você falou
Que era meu o seu amor
E ninguém ia separar você de mim
Agora você vem dizendo Adeus
Que foi que eu fiz
Pra que você me trate assim...
Era a época da Jovem Guarda, e o mais comum de se tocar nas estações de rádio eram as versões das canções estrangeiras... "Somehow it got to be tomorrow", transformado em "Ternura" pelas mãos de Roberto Carlos, é uma das mais belas canções dessa época. E valeu para sua intérprete, Wanderléa, o apelido que a identifica até hoje.... "Ternurinha". Não tem como não ficar sonhando acordada quando se ouve os primeiros acordes dessa canção e nossa eterna musa começa a cantá-la. Somos transportados imediatamente a um mundo paralelo, e sofremos com a nossa personagem por seu amor perdido...
Mas porque estou falando de Wanderléa e dessa música, em específico? Bem, na verdade, não é sobre ela que desejo falar hoje, mas sim de recordações que às vezes afloram em nossas mentes. Ah, sim, é bom esclarecer uma coisa... na época da Jovem Guarda eu ainda era criança, cinco ou seis anos. Não era nem adolescente, ainda. E a gente ouvia as nossas músicas favoritas pelo rádio. Eu diria que a maior invenção dessa época foi o rádio transistor, pois poderia ser levado para qualquer lugar e era pequeno e leve. E tinha um design bonito, na maioria das vezes. Bom, em casa só tínhamos o rádio normal mesmo, ligado na energia elétrica. Era uma época difícil para todos. Mas, de qualquer forma, olhando hoje, vendo bem a distancia, era uma época gostosa...
Minha mãe adorava novelas, acho que já falei isso centenas de vezes aqui. Tanto que aprendi a ler com revistas de fotonovelas. Só depois é que fui apresentada aos gibis. As revistas, minha mãe conseguia emprestadas de minhas primas, que trabalhavam de empregadas domésticas e ganhavam estas de suas patroas. Depois, quando meu tio veio morar com a gente, por algum tempo foi sócio de uma banca de jornais e trazia algumas revistas para sua irmã. E revistinhas em quadrinhos para mim. Sim, meu tio era um doce de pessoa... era, não. Ainda é. Graças a Deus continua a caminhar entre nós...
Como eu disse, meu pai era fã de música sertaneja, e não permitia que ouvíssemos qualquer outro tipo de música. Mas ele trabalhava, e nesse período o rádio ficava liberado para que a gente pudesse conhecer outros tipos de música. É um pouco complicado, não é mesmo? Quanta confusão por causa de uma simples canção... de qualquer forma, a música não fazia parte de nosso cotidiano, normalmente. Como eu disse, minha mãe adorava novelas, e sua estação de rádio favorita era a Rádio São Paulo, onde passava radionovela praticamente o dia todo. Acabei me tornando fã de vários autores, entre eles Dulce Santucci, Ivani Ribeiro e Urbano Reis. É claro que havia mais autores no cast da emissora, mas os nomes que me marcaram, e não tem nenhum motivo especial para isso, foram esses três...
Acho que o maior trunfo da radionovela é te fazer imaginar toda a cena, apenas ouvindo os atores. Você acaba imaginando como seria a praça onde os namorados se encontram, o jardim, a casa... você tem que imaginar os carros circulando pelas avenidas da cidade, os cavalos e o gado no campo... as brigas entre os personagens... e os próprios personagens. Como em um livro, o que vale é a sua imaginação...
Posso dizer que, junto com minha mãe, ouvi centenas de radionovelas, já que cada uma durava em média meia hora, a primeira passando a partir das nove da manhã e a ultima às dez da noite. é claro que a gente não ouvia todas as novelas... afinal, não dava para ficar em volta do rádio o dia todo... mas a gente acompanhava ao menos umas cinco ou seis por dia. É claro que não me lembro da maioria, mas algumas produções faziam bastante sucesso, inclusive entre as crianças. Me lembro que eu estava no terceiro ano do primário quando estreou uma radionovela infantil com o nome de "Biluca, meu xodó". Era a história de um garotinho órfão que havia sido adotado por uma família e que vivia aprontando com seu irmão de criação. Nas escola, essa novelinha era o assunto da criançada. É claro que mais do lado das meninas, pois "menino não ouvia essas coisas, isso era coisa de mulher"... mas é claro que eles também ouviam, só não queriam admitir...
Essa novela, em especial, lembrava muito o seriado mexicano "Chaves", pois assim como o protagonista dessa série vive aprontando com os moradores da vila "sem querer, querendo", Biluca, mesmo sem nenhuma maldade, deixava as pessoas ao seu redor com o cabelo em pé com as suas peraltices... mas haviam outras novelas, nem só de história infantil vivia a estação de rádio, não é mesmo? E outras estações também produziam alguma coisa do gênero. A rádio Nacional, que apresentava o "Programa Silvio Santos" diariamente, tinha às sextas feiras, se não me engano, um quadro chamado "histórias que o povo conta". Eram historinhas de terror, geralmente com uns quinze minutos de duração, onde o elenco da estação te fazia imaginar a aparição dos monstros e fantasmas na vida das pessoas. No final do programa, a famosa frase, recitada por Silvio Santos ... "Pode ser mentira, pode ser verdade... enfim, são histórias que o povo conta". Também tinha um programa na Rádio Bandeirantes que reservava um dias para os contos de terror. Tinha um programa chamado "Patrulha Bandeirantes" que diariamente apresentava uma história policial, encenada pelos atores da estação. Menos nas quinta feiras, quando "Patrulha Bandeirantes te deixa frente a frente com o terror", como dizia a vinheta do programa. Ah, sim, e a Rádio Piratininga de São Paulo apresentava diariamente, antes d'"A Voz do Brasil", uma radionovela de bangue bangue, um estilo muito em voga na época, chamado "Juvêncio, o Justiceiro do Sertão". Essa, sim, a novela favorita dos garotos. E, como eu já disse várias vezes nesse cantinho, toda vez que a troupe da novela se apresentava nos circos pela periferia, era garantia de casa cheia, pois o mascarado era simplesmente idolatrado por seus fãs.
A música sempre teve o poder de nos fazer sonhar. E as novelas tinham o poder de multiplicar esse sonho. "Aquela canção de amor" foi uma novela escrita, se não me engano, por Dulce Santucci que teve o privilégio de apresentar Gigliola Cinquetti ao publico das novelas com a canção "Dio come ti amo". Era uma novela romântica, mas era também um thriller policial. A personagem central da história presenciou um assassinato, e na hora do evento o rádio tocava essa canção... e toda vez que a mocinha ouvia "Dio come ti amo" ficava apavorada, pois o assassino queria matá-la, uma vez que era a única testemunha de seu crime... claro que ela não só não morre na história, como acaba apaixonada pelo detetive bonitão que a salva das garras do assassino...
Sim, era uma época gostosa... se bem que, daqui a alguns anos, a criançada de hoje se lembrará desses dias como um período encantado pois, assim como nosso passado parece tão lindo sendo visto hoje com nossos olhos de saudade, para eles tudo isso também parecerá o melhor dos mundos...