Comoção Seletiva
Eric do Vale
Padre Antônio Vieira, no auto de sua sapiência, fez a seguinte reflexão no seu famoso Sermão do Bom Ladrão: "Quantas vezes Roma viu ser enforcado alguém por ter roubado um carneiro e, no mesmo dia, ser levado a triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província?". Assim, tem sido, desde sempre. Especialmente, nesta terra, onde " tudo o que se planta dá".
O Princípio da Insignificância, ou da Bagatela, corresponde, no Direito Penal, a observação desenvolvida pelo padre Vieira no qual torna-se possivel afastar a classificação de um ato criminoso, quando apresentar uma menor relevância. Nesses termos, a pena aplicada a alguém que afanou um pedaço de pão não deve, jamais, ser similar a de um assaltante de banco ou de uma pessoa que desvia uma verba. Contudo, não é o que acontece na prática.
E se o autor dessa pequena infração se chamar Chico Buarque de Holanda? Em uma entrevista concedida, há tempos, ele admitiu que, na juventude, chegou a furtar carros.
Ciente do meu apreço pelo trabalho dele, um conhecido mostrou-me esse vídeo e quis saber se eu considerava aquilo uma fake news. Respondi que não, pois tinha conhecimento de que ele havia sido preso por tal delito, como pode ser comprovado nos inúmeros arquivos, disponibilizados na Internet.
Vale dizer que no momento em que havia praticado essa infração, o filho do Sergio Buarque de Holanda tinha dezessete anos de idade e, até então, não era, nem de longe, a figura consolidada que viria a ser, futuramente.
Depois de ouvir o meu relato, essa pessoa, em tom de ironia, fez o seguinte comentário: "Mas roubar um carro não faz mal. Ele é o Chico Buarque.". Os demais presentes foram unanimes e um deles, valendo-se de suas convicções políticas, apresentou o seu ponto de vista: "Todos tem algo em comum".
Esse tipo de comentário adquiriu maior credibilidade, depois que Chico Buarque foi aclamado, em Portugal, com o prêmio Luiz de Camões ao qual lhe foi entregue pelo atual presidente da República. E de quem é grande admirador e apoiador.
É impressionante como boa parte da sociedade dê importância a um fato ocorrido, remotamente, por alguém que dispensa apresentações e, na mesma proporção, feche os olhos para ações horendas efetuadas por aqueles que desconhecem a dimensão da palavra hombridade. Aquele cidadão processado por violência doméstica, estupro, cárcere privado, dentre outras ocorrências. E que, atualmente, econtra-se preso, nos Emirados Árabes, exemplifica essa afirmação.
Não há necessidade de falar ou descrever a trajetória dessas duas pessoas, pois isso já é de conhecento público. Ademais, o que vem a ser o furto de um veículo comparado com a violação.da dignidade de um semelhante?