RAMON, O INVENCÍVEL !

RAMON, O INVENCÍVEL !

"Vamos renascer das cinzas, /

plantar de novo o arvoredo..."

MARTINHO DA VILA (samba)

A recente presença no evento de efetivação da ALANIN - Academia de Letras de Ananindeua me fez "voltar no Tempo" uns 30 anos, até mais. Me trouxe à memória senil o nome e a figura de um certo Carlos Alberto Bittencourt... quem ?! Não, esse quase ninguém conhece, pelo menos no cenário artístico de Belém, mais especificamente no do Teatro local que, aliás, tinha um certo Albertinho Silva morando num coreto ao lado do TWH, nosso "Waldemar Henrique" de tanta História, glórias e... estórias. "Protagonizei" ao menos duas, quando levei cantores amadores aqui do bairro Cidade Nova (entre 1989 e 91/92) para os palcos da Capital, com nossa região ainda sendo parte de Belém.

Se o tal Carlos ninguém conhece, certamente "RAMON STERGMANN" ninguém ignora, foi unanimidade na cena artística da Belém dos anos 70/80, a partir da criação do GRUPO MAROMBA, de teatro estudantil e do qual Raulino Silva teria feito parte, além de Dinelson Serrão, entre outros. O Grupo viajou para 2 ou 3 Estados,ao que sei, representando o Pará.

O verdadeiro Ramon Stergmann seria um avô de nosso citado Carlos Alberto... foi o que me contou, mas acho a história um tanto fantasiosa. Conheci Ramon por acaso, por volta de 1987/88, talvez apresentado a ele por Lucinerges Couto, que conhecia "meio Mundo" artístico e literário. Morava eu bem distante, na WE 61 e ele na WE 88, quase 2 km... por pouco tempo. Bastaram 3 ou 4 "baldeações" e findei morando a menos de 300 metros do artista. Passei a frequentar sua casa de tarde, nem sei bem porquê e acabei por "assessorá-lo" em 2 ou 3 apresentações dele, em teatros da capital. Ramon era secretário numa entidade beneficente nos "subúrbios" de Belém e nela atuou enquanto pode, vencendo limitações de todo tipo, com a saúde bastante abalada pela hanseníase. Jamais se queixou, vencia 1 batalha diária e, após perder a perna, continuou como se nada houvesse acontecido.

Ramon vivia para o Teatro, "respirava ribalta" dia e noite, criava figurinos para suas peças -- um monólogo famoso, entre outros textos -- escrevia, "encenava" em casa trechos da futura obra, desenhando até a iluminação das cenas. Tinha amplo domínio de palco, posição em cena em relação à luz, deslocamento durante a apresentação, era "lição viva" de Teatro... nunca me disse onde ou com quem aprendera tudo aquilo. (A memória já não ajuda... teria dito que passou temporada no Rio ! Será que disse ? Realmente não sei !)

Por volta de 1992 produziu uma exposição de seus desenhos e de "croquis" das peças que encenara, alguns figurinos também, no "hall" do escritório onde trabalhava todas as manhãs, mesmo doente.

"Atuei" como auxiliar (ajudante) dele no TWH em evento com vários grupos e no teatro do SESI pouco depois, isso entre 1989 e 90 eu acho, meses antes de uma operação que o abalou demais, mas não conseguiu fazê-lo desistir, nem do Teatro e nem de seus sonhos e objetivos. Sem ânimo para "aventuras" em Belém, ainda assim faria apresentação (mais de 1, suponho) de seu monólogo "UM BURACO NO QUINTAL" em colégio ou centro comunitário aqui do bairro, já não lembro mais onde.

A peça tratava de mãe pobre que, sem condições de pagar o enterro de seu bebê, o fazia num quintal. Adiante, presa por isso, é "torturada" por um jornalista insensível. Ramon fazia as duas vozes perfeitamente distintas e, mesmo de saia e com lenço na cabeça, víamos o "homem" falando através da mãe desesperada, bastando-lhe altear a voz. Magnífica interpretação para uns poucos, só encheu o teatro (W.H) quando em evento coletivo... e de graça ! Interpretando a mãe revoltada, Ramon inscreveu-se entre os maiores do Teatro da capital e tornou seu Monólogo inesquecível para quantos o viram em cena.

Fazer qualquer tipo de Arte naquela Ananindeua dos anos 80/90 era uma batalha... Ramon jamais titubeou em encarar o que defini como "cemitério da Cultura" ! Os centros dito comunitários só pensavam em bailes e bingos, duas ou três vezes por ano. Neles, na maioria, nem 1 cadeira sequer, mesa, dominó ou baralho, uma TV velha de 50 cruzados, depois reais... nada, absolutamente nada. Eram meros "redutos de voto" !

Ramon "se foi", partiu, combatendo sempre, não soube eu quando... representou com corpo e coração um mo(nu)mento DE LUTA, sempre inclinado a fazer algo cultural no município, mesmo sem quase ninguém para assistir. Partiu com grande mágoa: se dizia Autor de peça famosa tendo o "cartão postal" de Belém por tema central ! Nunca me deu provas do que falava e nem tentou "reverter a situação" nos chamados "canais competentes", talvez temendo ser motivo de chacota devido às sequelas físicas lhe deixadas pela doença. Descanse em paz, Carlos Alberto, digo, "RAMON STERGMANN"... um dia A VERDADE há de aparecer !

"NATO" AZEVEDO (em 26/abril 2023, 3hs)