MEMÓRIAS DOS ANOS 60: ALAGOINHAS

[Castro Rosas]

No início dos anos 60 fomos morar em Alagoinhas, cidade localizada no leste da Bahia, com uma área de 752,4 km2, ocupando o décimo terceiro lugar na posição territorial dos municípios baianos.

Nessa época eu contava com os meus seis anos de idade, filho terceiro dos irmãos de seis, algum anos depois chegaram mais três.

A casa era alugada, como sempre foi, morávamos de tempo em tempo como nômades. As constantes mudanças se faziam necessárias por obrigação da função que meu pai ocupava na Petrobras.

A Avenida Juracy Magalhães, principal via da entrada da cidade, chamava atenção para o destacamento do tiro de guerra, que fazia limite com essa avenida.

Nossa casa ficava a 200 metros do destacamento, casa com amplas acomodações internas. A externa seguindo o mesmo padrão, com uma área livre bem espaçosa que foi transformada para o lazer. Um campo de futebol, com atividade para vôlei e outros esportes, atraindo a meninada das proximidades.

Organizávamos campeonato de pião, bola de gude, bambolê e outras brincadeiras. À noite, improvisávamos um cinema, com tira cortada de revista emendada, enrolada num pedaço de madeira que ia rodando dentro de uma caixa de sapato, iluminada por uma vela; tínhamos também o dia do circo, com palhaço, mágico e a rumbeira para alegria da garotada.

Do lado esquerdo da nossa casa tinha uma pensão, que era sempre hospedada por funcionários da Petrobras. Do lado direito ficava a casa de residência de D. Valdomira, que fazia alegria da meninada, vendendo alferes e balas de jenipapo. Todo final de tarde tínhamos duas esperas: o trinilin do triângulo do homem da taboca e o vendedor de pão. Conhecido pelo nome de Senhor, era meio que surdo e falava quase que em dialeto, a nossa maior aventura era comer o pão sem pagar; mas pense num cabra esperto. Antes de chegar ao portão, ele contava os pão, deixava o balaio sobre o muro e adentrava o interior da nossa casa, já sabendo que o pão doce era o que ia faltar, pois era a nossa preferência. Devido ao calor, o pão chegava brilhoso de dar água na boca, por conta do derretimento do açúcar.

Na hora de apresentar a conta para meu pai, já que o pagamento era mensal, vinha o acréscimo do pão tirado do balaio. Meu pai já sabendo das nossas travessuras, pagava de bom grato, mas advertia para não facilitar para os meninos.

Todas as casas tinham muro baixo, servindo tão somente para demarcar a área da privacidade de cada um. Nessa época não se tinha notícia de arrombamento de residência. O uso de drogas era resumido aos chamados playboys de esquina, ou alguns cabeludos de ideias curtas.

Tínhamos uma televisão de último lançamento que ficava por horas fora do ar, pois o sinal chegava fraco e a captação vinha de Salvador. Quando chegava algum sinal, era chuviscando, com péssima qualidade de imagem, a solução foi comprar uma torre de 10m de altura para colocar a antena, surtindo pouco efeito.

No ano de 1964, eu tinha pouca idade para entender os acontecimentos da mudança de poder no país. Na avenida, que passava em frente à minha casa, era constante o vaivém de viaturas cheia de militares do tiro de guerra. Diziam que era para prender os comunistas.

Minha família não desgrudava o ouvido do rádio, ansiosos para saber das últimas notícias. A maior preocupação era pela prisão de um tio, envolvido com o movimento comunista.

Um boato de que ele tinha sido preso levou a família a se reunir na casa de Florise, que, ao saber da notícia começou a passar mal, no meio dessa aflição estava minha mãe, tia Edla e outros parentes, e eu ali como testemunha dos fatos.

Horas depois a esposa do meu tio informava a família que era falsa a sua prisão, o mesmo já tinha fugido e chegado no Rio de Janeiro.

Castro Rosas
Enviado por Castro Rosas em 26/04/2023
Reeditado em 26/04/2023
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