A leveza das abelhas, o queixo e a repetição.

Aí aí, não sei se tenho vigor pra escrever isso do jeito que eu gostaria. Não vai ser uma crônica, vai ser um textinho, um testículo. Tinha um professor de história que sempre fazia essa piada, riamos quase que por obrigação. É difícil achar o que falar sem ser piegas, ou sem me denunciar demais. Eu preciso é de terapia. (Essa é uma frase que soa bem melhor sussurrada, mas é.)

Não por uma coisa urgente, na ordem do agora. Mas pela mansidão de como as coisas vem, se instalam, se repetem. Pelo ontem. Pelas abelhas que continuam se afogando.

Minha prima disse hoje, nas palavras dela, que isso não era vida, que eu não tinha que me matar de estudar, perder a vida por causa da faculdade. Também acho. Mas o que eu posso fazer, então?

Eu ia acordar o senso de humor e fazer uma piada que lembrei, mas já esqueci.

No começo da semana abelhas me atacaram. Atacaram. Não, não foi bem assim. Cheguei cedinho na faculdade. Tenho uma fome gigante pelo nada, pelo simples fato de existir sem então, ter que ser eu. O dia já me toma tanta atenção, eu gosto tanto de ser para os outros, de prestar atenção, de fazer o dia do outro agradável, de menear a cabeça, entender entendendo, e de estar presente. Que ali, naquela porçãozinha de tempo, eu me dou o direito de não ser nem eu.

Nem ninguém. (Quer dizer, ninguém já se é quase sempre, né, mas ok.)

E isso envolve tomar meu café lentamente, bem devagar, ir tomando, vendo quem passa, reparando naquele sapato desamarrado, naquele fiapo de conversa, naquela bicicleta que range...

Bom, cheguei cedo, pedi licença pra sentar, sentar não, dividir a mesa com um cara. Eu estou sempre sentado. Abre parêntese: esse cara tinha um rosto definidíssimo, sério. Um queixo invejável. Mas era um queixo humano, humano, sabe. Não-harmonizado. Fecha parêntese.

Pedi o café do maior que tinha, quando então travei uma luta perdida contra incontáveis abelhas. O homem do queixo bonito, teclava incansável seu iPhone de capinha azul, sem sequer me olhar, enquanto eu tentava, sem sucesso, espantar as abelhas. Num desses vai-e-vem, uma delas caiu e se submergiu no âmbar do meu cafezinho. O AÇÚCAR NÃO VALE DE NADA QUANDO SE ESTÁ AFOGADA NELE OK, ABELHINHA?

Pedi gentilmente pro querido, dono da barraquinha pra trocar pra mim, apontando com o indicador o corpo, articulando a palavra A-B-E-L-H-A, mas sem sair som, pois ele estava longe. Trouxe outra xícara, me pedia desculpas, que aquela época do ano era assim mesmo, que qualquer coisa era só falar, que não precisava pagar.

Estava cheia, quente, o homem do queixo ainda teclando, as abelhas orbitando e então...

De novo. De novo. Dessa vez umas cinco. Uma a uma. Será que vale mesmo a pena? Será se estamos, não, "estamos" não. EU estou, mecanicamente, repetindo as mesmas teimosias, e esperando resultado diferente? Ou então não entendendo que

"aproximação, do que quer que seja, se faz

gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai

aproximar"

Ou então pior ainda, que o aproximar é finito. o aproximar é finito.

Paguei. Deixei piscina de café ali, cheia. Fui embora derrotado. Estou cansado, dolorido, se não escreveria mais, enfeitaria mais, seria mais, mas até pra doer, até pra traduzir, até pra ser, se tem que estar melhor do que eu estou agora.