Carta ao Professor José Jackson
 

           Só perdemos de vez o que nunca achamos de fato. E nós achamos  amigos, os conhecemos e convivemos com eles. Nós não perdemos tais amizades. Apesar de vivermos, enquanto limitados e marcados pela nossa experiência existencial, enganados, a todo instante, na enigmática dialética do poder e do achar. Metafisicamente, estamos enganados, se pensamos que perdemos o que achamos. Quando circunstancialmente achamos, disso nada perderemos, a não ser, dadas nossas contingências, não procuremos o que nos falta. Porque penso que a própria falta não se deixa substituir pelo vazio da falta, ela sempre existirá. Nesse sentido, Jackson, dedico-lhe o que escrevi, diante da angústia passageira e enganosa desse vazio: Se nada me faltasse, faltar-me-ia a falta. Enfim, quem sabe você, talvez agora, apenas na sensação da sua procurada presença.
          Cada vez mais um mundo de superficialidades e de barulho nos invade, toma conta das futuras gerações, como se fosse uma triste e alarmante inundação de ganância e de egoísmo, sobre o desperdício de humanistas existencialistas, como se destacou você: José Jackson Carneiro de Carvalho. Sobre esse assunto você muito cogitou, estudou e escreveu. E a força motriz das suas ações era, nesse sentido, também fazer existir o inexistente. Depois dos seus estudos bem fundamentais e médio no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, nessa escola de excelência, por onde também passei, você deu continuidade aos seus estudos de Filosofia, lendo mais do que a disciplina exigia, os filósofos existencialistas, sendo assim sua dedicação além de Aristóteles, Tomás de Aquino e Santo Agostinho, caminhos que o levaram a criar a Academia Paraibana de Filosofia, que deve ser soerguida em sua meritíssima memória.
          Ir à Roma foi um grande acerto, onde você se aprimorou a distinguir filosofias e seus sistemas, no profundo Curso de Teologia, na Pontificia Universitas Gregoriana, onde tudo se falava, lia-se e escrevia-se em latim, preservando-se o entendimento entre uma centena dos muitos docentes jesuítas de todo o mundo, e inúmeros alunos provenientes de 83 diferentes nações, diversificadas por idiomas e dialetos. Foi nesse meio em que também aprendi a aprender o que é Filosofia, Socioeconomia e Sociologia. Lá, aprendi também a entender conexões e inter-relações das disciplinas dos nossos cursos, o que é tão visível nas correntes filosóficas dos seus livros. Por isso e por tais conteúdos animados, convivíamos em frutuosos e sugestivos diálogos, o que construiu um fecundo coleguismo de trabalho, no âmbito da educação e da cultura. Foi você que me sugeriu e estimulou a ingressar, por escolha das confreiras e dos confrades, a fazer parte da egrégia Academia Paraibana de Letras e até mesmo a chegar a presidi-la, durante oito anos, gestões socialmente e por você consideradas profícuas.
            Habitava, na sua intelectualidade, substanciosa efusão de ideias, o que, em termos de ação, propiciava-lhe inquietude e até indecisão sobre o que fazer ou por onde começar a fazê-lo. Nesses momentos, você era também imprevisível. Fui seu companheiro e amigo, de modo quotidiano, na Secretaria de Educação e Cultura; e, na mesma função, na Universidade Federal da Paraíba. Seria de esperar que quem tanto caminhou em vida não se paralisasse, como você, por causa de alguma enfermidade. Lutou, não foi por cansaço, você sempre demonstrou, até os últimos momentos, uma decidida e incansável disposição. Existiu como pode existir até o desaparecimento da sua sensibilidade: a morte. Obrigo-me dizer substâncias, na sua vida e na sua morte, inclusive propositar sua insistência para que se publiquem meus escritos.
          Refletindo, percebi que, mesmo ao superar a perda, o tempo será distância entre nossas pessoas que se amam. Por que o espaço não separa ninguém, a não ser, se a unidade do tempo já se ache rompida entre os que pretendem se encontrar.