Diamantes perdidos
Eu cheguei ao restaurante e pedi um café. Logo depois ele chegou. Sentou-se ao meu lado. Não devia. Culpa minha de ter querido ficar na janela.
Os mesmos cheiros de sempre; desodorante e loção pós-barba.
- Oi, Bom dia! Desculpe-me o atraso. Você está linda! Parece que está muito bem... Está de namorado novo?
- Não te interessa! Vamos resolver o que viemos resolver, ok?
- Claro, claro, claro.
E ele tentava olhar dentro dos meus olhos, mas eu não queria. Não ia existir nenhuma recaída nem nenhuma dessas baboseiras que a gente vê nos filmes.
- Está tudo aí. Seu advogado já leu e não houve nenhuma alteração desde então. Você precisa rubricar todas as páginas e assinar na última. A sua via já está assinada por mim.
- Ok. Aqui né? Você emagreceu bastante. Parece bem mais magra...
- Emagreci dezoito quilos...Ah e coloquei silicone nos seios. Doutor recomendado pela Maria Regina.
- Nossa! Quanta coisa em tão pouco tempo! Você sempre me falava que tinha medo dessas cirurgias estéticas...
- Mudei de ideia. Mudei de ideia em relação a muitas coisas.
- Mas você não está magoada, está? Ainda podemos ser amigos?
- Claro que sim, desde que você não chegue bêbado nem de madrugada lá em casa, nem fique ligando pra mim as três da manhã, podemos ser amigos sim...
- Ah. Falando assim fica parecendo que eu sou um maníaco alcoólatra!
- Isso só o seu psiquiatra pode avaliar...
-Calma. Aí está. Tudo assinado. Noto que você ainda não tirou a aliança...
-Não tem nada na aliança que nos vincule. Não tem teu nome. Não tem tuas iniciais...Estou usando apenas para não ser importunada por babacas achando que uma mulher com uma marca de aliança no dedo está disposta a qualquer coisa.
- Hmm, entendo. Aquele teu fiel seguidor... Continua te cercando?
- Me cercando não! Me cortejando! Dormiu lá em casa um dia desses, jantamos juntos várias vezes desde então. Mais alguma pergunta?
- Errr. Não, não. Só queria saber se você está bem.
-Estou ótima! Melhor impossível. Olha, agora preciso ir. Você me dá licença?
-Sim, mas espere só mais um pouco. Sabe... quando um relacionamento de vários anos se acaba eu fico pensando no que deu errado...
-Você quer que eu faça uma lista? Esquecia as datas importantes, nunca mais me deu flores nem presentes, Saía sem avisar para onde ia, voltava pra casa tarde e mau-humorado. Ficava de cara feia o tempo todo....
-Sim eu sei disso tudo. É verdade; o romance foi se acabando e os problemas foram aparecendo... Fomos nos distanciando porque fomos mudando com o tempo e nos tornando cada vez mais diferentes. É muito fácil colocar a culpa no outro quando alguma coisa dá errado. O outro fica sendo o bode expiatório de todo problema que surgir...
-Quer que eu fale mais? A lista é longa!
-Não. Eu já sei de tudo isso, mas fico pensando onde foi que erramos, ou onde foi que eu errei. Devíamos ter viajado mais, passeado mais, conhecido lugares exóticos. Campos de lavanda de Provença poderiam ter curado nossas dores. Ou um hotel em Santorini de frente pro mar. Ou um bangalô nas ilhas Maldivas...
-Ah...Falando assim parece que a gente era milionário. A gente não conseguia se organizar nem pra ir a praia do Muriqui, aqui pertinho.
-É verdade... Os problemas e responsabilidades foram nos prendendo em nossas rotinas. Devíamos ter separado um tempo pra nós. Antigamente assistíamos filmes, líamos livros e ficávamos conversando sobre projetos pro futuro...
-Pois é, mas em algum ponto você decidiu colocar outras pessoas no meio do nosso relacionamento e aí tudo foi ladeira abaixo. Blá blá blá. Me dá licença.
-Claro!
-Tchau! Se o advogado precisar de mais alguma coisa eu entro em contato.
-Ok, bom te ver!
-Ahã, sei.
E ele ficou lá, sentado, sabe-se lá por mais quanto tempo. Tenho certeza que ficou me olhando ir embora, na esperança de que eu virasse o rosto e olhasse pra ele novamente... Patético!
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E assim os relacionamentos quase sempre acabam mal, porque senão não acabariam. E aquela "dulcíssima prisão" acaba tornando-se apenas uma prisão psicológica. E quando entram outras pessoas no meio do relacionamento é porque ele já acabou. Mesmo que não formalmente. Por conforto, por costume, por comodidade, pelos filhos, pelos amigos, e muitas vezes para não rachar ao meio o patrimônio construído. Diamantes perdidos na lama do cotidiano.