CEMITÉRIO DAS LEMBRANÇAS
Para onde vai uma lembrança quando a esqueço? O que aconteceu com o rosto da minha primeira namorada, que em mim não vejo mais? E o número daquele telefone que guardei tantos anos na memória, ou com o sonho que tive na infância e que por toda a meninice me amedrontava? Será que lembranças morrem? E se morrem, haverá em meu interior um cemitério para elas?
Certa vez o escritor francês Maurice Blanchot (1907 – 2003) escreveu que “para lembrar é preciso esquecer”. Mas se esqueci do que antes esqueci e que agora nem me recordo mais? Em meados dos anos 90 assisti um filme cujos principais diálogos grudaram em minha alma por tantos meses. Hoje nem lembro do título, apenas que era com John Malkovich, ou será que lembro errado?
Também tem meu título de eleitor que me lembro ter guardado em casa, porém não consigo encontrá-lo. Há em mim a lembrança de tê-lo armazenado em alguma gaveta qualquer, mas, a gaveta, esqueci qual é. São tantas as gavetas que chego a duvidar se pode haver tantas.
Quantas lembranças desapareceram ao longo da minha história? Se todas as reminiscências se acumulassem na memória, então, com o passar dos anos e das décadas, já devia pesar toneladas. Deve ser porque lembranças não pensam. Ou talvez porque não seja dentro de mim tão perene assim.
Pode ser que lembranças desapareçam para dar lugar a outras que chegam, afinal se todas as recordações se amontoassem não haveria em meu interior mais espaço para mim. Tornar-me-ia um inchaço de memórias perambulando por aí.
Em alguns domingos, às vezes, procuro minhas reminiscências extraviadas. Procuro debaixo do sofá e por detrás das almofadas. Remexo cômodas e armários. Esmiuço pelos cantos da sala e dos quartos. Até nos banheiros dou uma fuçada e nada de encontrá-las. Já busquei ver na mala do carro e pelas calçadas ao redor da casa. Mesmo assim não desisto, e continuo procurando. Um dia, quem sabe, não me depare com alguma lembrança perdida e deslembrada, vagando pelo mundo afora órfã de memória.
Sigmund Freud (1856 – 1939), pai da psicanálise, percebeu e disse que somos o que lembramos e aquilo que esquecemos. Eu mesmo, reconheço, trago em mim mais esquecimentos que recordações recordáveis. Nossas lembranças são rugas na alma, feito músculos flácidos e desidratados que envelhecem, murcham e se evaporam pelo calor do tempo. Por isso prefiro a memória do coração às que se inscreveram na louça da consciência e da razão. Elas são as últimas que apagam.
O ensaísta francês Joseph Joubert (1754 – 1824) em certo momento vaticinou que “a memória é o espelho onde observamos os ausentes”. Nesse aspecto, hoje frente ao espelho enxergo cada vez menos meus faltantes e sumidos. Mas vai chegar o dia em que ao me deparar comigo ao espelho lá não mais estarei. Vou desaparecer do mundo, da vida e dos espelhos, e ir para o cemitério das minhas lembranças.