NOS REQUEBROS DA PAIXÃO
Certas paixões desafiam a Lei da Gravidade. Se desprendem do chão e voam por todo canto, como voam! Vão untando as coisas e criaturas com néctar misterioso, que as tornam voláteis à toda prova. São paixões marotas, de cauda soberba, capazes de reverter dores e pesares num relâmpago, acudindo corações de cara amarrada e tilintar manco. Com o andar do tempo, essas tais paixões acabam virando sabedoria, nunca deixando de evocar seus anjos e demônios originais e, vez por outra, revivem a brisa da matriz, numa alvissareira revoada arrebatadora, respingando seu fogo a granel, sem pedir licença e nem perdão. Dessas paixões saudosas vive o meu coração, já envelhecido e esquecido daqueles requebros de outrora, trocando o dia pela noite e deixando a alma de pernas pro ar. Adoro quando isso acontece, pois me livro das ressacas mal ungidas e me atiro na pista de dança do sonhos até me fartar. Assim consigo reverenciar a vida na sua mais pungente versão, absolutamente livre e absurdamente feliz.