Olhe por onde anda

Minha avó dizia que de médico e de louco todo mundo tinha um pouco. Sempre que estava contrariada, ela nos mandava ir à farmácia comprar um analgésico. Numa dessas ocasiões, encontrei uma pessoa que caminhava pela calçada, como eu, pensando na vida, observando o entorno, tentando descobrir quem era quem no teatro do mundo, suas motivações, o que as alegrava ou entristecia. Tudo era movimento, distração, vida, a cidade e sua riqueza cultural, a complexidade urbana, sons, trânsito, um emaranhado de fios, o mais alto grau de dispersão. E eu não podia me esquecer do nome do medicamento.

Foi quando avistei alguém vindo em sentido contrário, com segundas intenções. Tudo indicava que minha caminhada seria interrompida. Pensei que lá vinha um pedido, uma reclamação, uma informação ou coisa semelhante. Isso era o tipo de coisa que me chateava: interromper devaneios, sonhos e reflexões sobre trivialidades.

Ser parado no meio do caminho não dá! Já me preparava para dizer “não” e aumentar o ritmo dos passos, mas achei que seria melhor sorrir, assim a negativa ficaria suave. Ela parou bem na minha frente, sorriu e me surpreendeu ao falar que iria me dar um conselho. “Que conselho será esse?”, pensei. E a pessoa, séria, solene, disse que eu não devia pisar nas tampas metálicas existentes nas calçadas.

Aquilo me desconcertou de tal forma que, se tivesse um banco ali, no meio do caminho, eu a teria convidado para se sentar. Poderíamos passar horas discutindo o assunto em profundidade. Mas não tinha banco algum. As explicações foram dadas de pé mesmo, no meio da calçada, atrapalhando a circulação dos pedestres — a sorte é que era uma manhã de sábado, céu claro, a pressa era para ir à banca de revistas, beber um chope no boteco, tomar um suco natural. No meu caso, caminhar até a farmácia para comprar um remédio, se já não tivesse esquecido o nome do produto. Enfim, não tinha mais pressa.

Teoria inovadora e curiosa a da pessoa que me interrompeu. Ao pisar sobre o metal, isso alterava o equilíbrio do metabolismo corporal, prejudicando as funções orgânicas e a alcalinidade do sangue. Bem verdade que eu tinha uma imensa dificuldade com esse tipo de raciocínio e não foi fácil digerir aquele. Melhorar a alimentação, reduzir o consumo de sal e de açúcar, fazer atividades físicas, tudo bem, dá para compreender, mas evitar pisar em tampas metálicas… Qual a lógica?

Voltei para casa sem a encomenda e levei uma bronca, mas aquela teoria inovadora não me saiu da cabeça. Outro dia, resolvi parar um sujeito no meio da rua e perguntar a opinião dele sobre pisar em tampas metálicas, se fazia mal à saúde etc. O passante irritou-se e me respondeu: “Ainda se fosse pisar em cocô de cachorro. Certas pessoas não deveriam sequer sair de casa.”. Eu, hein! É cada vez maior a quantidade de pessoas irritadas no mundo. Para que isso?