Sensações palpáveis

Meu mundo foi construído com ingredientes concretos, impressões táteis, objetos físicos, deslocamentos feitos em estradas e caminhos reais, ainda que cheios de buracos, percalços e desvios. Água, comida, amor, leituras, educação e amizades sempre fizeram parte da minha realidade tangível, além de aspectos subjetivos, fantasias, devaneios, sonhos e muita imaginação. Assim como é complicado viver sem levar em conta as circunstâncias históricas objetivas, reconheça-se a chatice que é viver alheio aos mistérios e às surpresas da vida. A maior qualidade humana é conseguir sobreviver nesse universo contraditório, instável e fantástico. A vida é um exercício de constante equilíbrio, sabendo que no fim iremos despencar de alturas desconhecidas. Muitos levam a vida caindo, despencando inúmeras vezes. Muitos se machucam. O segredo é se levantar, erguer a cabeça e seguir em frente. Ao menos, tentar.

Minha desconfiança dos telefones, os antigos e os novos, tem a ver com essa visão de mundo. Prefiro conversar olho no olho, vendo a pessoa engolir a saliva, sorrir, suar, mexer braços e pernas, passar a mão nos cabelos… Ver o mundo de maneira flexível, amorosa. Também explica meu gosto pelo teatro, pela proximidade do palco, atores e atrizes, cenários e figurinos. O teatro nos desafia e essa é uma sensação inigualável — jamais reproduzida pela televisão —, que deve ser experimentada.

Por isso, meu encanto por botecos autênticos, bagunçados, originais, onde se pode conferir o sabor de petiscos típicos servidos em singelas travessinhas, beber cachaça em copinhos simpáticos e exercer a boa prosa. Como é dolorido ver um frequentador solitário, olhos perdidos, isolado na sua minúscula mesa, contando o tempo que lhe resta no mundo — ou pior, com os olhos fixos em uma tela —, inutilmente. Boteco é encontro, é troca, é conversa.

Diálogo, trocas. Vem daí minha atração pelas salas de aula, que frequentei por quarenta anos como professor. Nada como o contato com os estudantes, suas perguntas, rebeldias, inquietações, o compromisso com a aprendizagem que nasce de confrontos permanentes, consigo mesmo e com o mundo. As pessoas deviam experimentar essas sensações. É bom ver a aprendizagem como vontade, cumplicidade intelectual, desejo compartilhado pelo conhecimento. O que atrapalha o processo é a burocracia, a vigilância, as cobranças insensatas, distantes e dissimuladas, que servem para controle das mentes e dos corpos. São nocivos a valorização de trajetórias definidas por necessidades mercantis e o estímulo ao consumo de mercadorias das quais não precisamos e que nos fazem mal.

Não é por acaso minha paixão por livros físicos, embora não despreze a leitura nos meios eletrônicos. Ler é preciso e livros de papel não serão eliminados nem substituídos por suportes digitais. Não vou jogar fora meu computador ou meu celular, mas não posso me escravizar por eles nem pretendo terceirizar minha compreensão da realidade. Pés no chão e mão na massa continuam sendo experiências únicas, sensíveis e maravilhosas.