Joanildo e os bichos

— Moço, me dá uma moedinha aí?

Não, não era um pedinte ou um flanelinha, era uma menina de mais ou menos 18, 20 anos, shortinho bem curto, cara pintada, cabelos desarrumados, numa alegria incontrolável. Ágil, ela corria por entre os carros quando o sinal fechava: “moço, dá uma moedinha pro bicho!”.

Foi aí que percebi que tinha outros, meninas e meninos, todos bem jovens, pintados, farinha de trigo no corpo, alguns com roupas rasgadas, todos pulando entre os carros. Nos rostos de alguns, os nomes de cursos e a instituição superior para a qual tinham sido aprovados. Uma festa! Passar na faculdade é bão demais!

Joanildo já estava acostumado com o pedaço. Fazia uns dias que ele vinha trabalhando na esquina que os meninos tomaram de assalto. No seu caso, pedindo esmolas, pelamordedeus! Para comprar comida, remédio, passagem de volta pra casa…

No início, ele estranhou, mas depois entrou de cabeça na deles. Adorou se misturar aos bichos, às menininhas de shortinho curto. Num momento de descanso da turma, quando o trânsito diminuiu, chegou-se ao grupinho e perguntou o que eles estavam fazendo ali.

— Passamos na faculdade, moço! — Essa foi resposta dada pela Carolzinha, caloura das mais animadas. — Temos de arrecadar dinheiro para tomar cerveja com os veteranos.

Joanildo não entendeu nada, mas o sinal fechou e lá foram eles, em busca das moedinhas. Ele aprendeu logo: “Moço, me dá uma moedinha aí? Passei na faculdade!”. A companhia da meninada, a alegria contagiante parece que aumentou a receita: mais moedinhas, mais sorrisos, mais coragem para driblar os carros, os motoristas apressados e os mal-humorados. Joanildo virou calouro, passou na faculdade! Era o primeiro da sua família, ele pensou, tentando descobrir o que isso significava.

Só não compreendia bem a definição de “bicho”. Por quê? Eram animais? Pior era quando um ou outro menino falava que era bicho do direito, bicho da engenharia, bicho da enfermagem… Joanildo não era bicho de nada, de ninguém.

No próximo intervalo do semáforo, identificou o chefe dos veteranos e foi até o maioral, o “responsável” pela arrecadação. O cara já estava com uma bolsinha cheia de moedas. Joanildo reparou que esse não estava pintado, mas dava ordens, cobrava desempenho, não se arriscava entre os carros e era para ele que os outros entregavam todas as moedinhas assim que o sinal abria.

O “chefe” também dava umas bicadas numa garrafa de cachaça embrulhada numa sacola plástica. Aproximou-se dele, sentiu o cheiro bom, olhou bem e pediu um gole.

— Sai fora! — Foi a resposta. Joanildo entendeu, colocou o rabo entre as pernas e foi em busca de outra esquina. Por um instante, achou bom ser tratado como bicho. Na maioria das vezes, era considerado um animal raivoso, pernicioso, indesejável.