Um silêncio constrangedor
Em certas ocasiões, meus pais e meus avós nos levavam para visitar parentes. Eram situações solenes, formais, roupas escolhidas com capricho e recomendações rigorosas sobre como devíamos nos comportar. Tempos de muita formalidade. Nessas visitas, tínhamos de seguir protocolos rígidos, como horário de chegar e de partir, o que levar, o que aceitar, quanto comer ou beber. Apesar de nos oferecerem guloseimas e lembrancinhas, o bom senso da época dizia que nem tudo podia ser levado para casa. Para nós, a meninada, tais regras de bom comportamento deviam ser cumpridas à risca e, quando não obedecíamos, os encontros descambavam em sérios embaraços e vexames. Nada que o tempo não se encarregasse de apagar.
Sempre desconfiei dessas convenções. Lá em casa, a visão crítica da realidade era uma obrigação. Tínhamos de ver o mundo com olhar astuto, questionador, e isso incluía transgredir. Pequenas transgressões, porém guardando o devido respeito aos diferentes, aos mais fracos, às diversas manifestações culturais, religiosas, políticas, artísticas etc.
Às vezes me surpreendo recordando os rituais envolvidos nessas reuniões familiares. As pessoas continuam se visitando, se reunindo, mas a etiqueta social se alterou radicalmente. Como seria um encontro desses, no passado, se cada um tivesse um celular à mão? O ser humano surpreende, mas gosta de estar junto do outro, é um ser social. Encontrar amigos e parentes hoje pode ser feito por aplicativos que permitem audiências não presenciais, existem outras regras, podem ser verdadeiros festivais públicos, desfiles nos corredores dos shoppings, “rolês”, “rolezinhos” e eventos de massa. Foi inevitável: o mundo mudou.
Não tenho a intenção de julgar ou estabelecer comparações saudosistas e retrógradas. Os tempos são outros. As famílias não são as mesmas, no sentido antropológico, os códigos, os ritos e as convenções mudaram. Ufa, ainda bem! Nas reuniões do passado, anos 1960 e antes, mulheres e homens não costumavam ocupar o mesmo ambiente. Homens falavam de política, de negócios, de conquistas amorosas. Mulheres cuidavam das crianças. O machismo se impunha, as discriminações corriam soltas, para tristeza geral. Como pode alguém se manifestar favorável a isso hoje em dia?
Nem toda reunião familiar era festiva ou cerimoniosa. Às vezes eram pêsames e condolências, às vezes eram casamentos, festinhas de aniversário, confraternizações de final de ano. Eu gostava quando nos ofereciam quitandas — não podíamos ir embora sem antes provar os quitutes — e onde não éramos obrigados a ficar sentados na sala escutando as conversas.
Ainda que fôssemos crianças, percebíamos no ar, nas salas, nos salões, nas cozinhas e nas varandas as mudanças de humor, as alegrias e as tristezas. Dizem que crianças têm uma percepção aguçada da realidade. Será? Percebíamos olhares dissimulados, reprovações, censuras, comentários depreciativos dirigidos aos desafetos, mas também elogios, aplausos e felicitações. Viva a diversidade! O que me incomodava era o silêncio constrangedor que se impunha em alguns momentos. O que encobria?